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Música e poesia - Poesia aprofunda compreensão da linguagem

Celina Bruniera, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

Sabemos que nem todas as músicas que ouvimos podem ser consideradas textos poéticos. Para ser assim, a linguagem das músicas teria que ser elaborada a partir de imagens (metáforas, comparações, analogias, etc.). A uma linguagem como essa não temos acesso imediato.


É preciso estabelecer relações, refletir sobre o sentido das palavras, tentar desvendar as ideias, as impressões, os sentimentos que o texto quer transmitir.

Justamente pelos textos poéticos não serem escritos numa linguagem de fácil acesso, ou seja, justamente por serem textos altamente elaborados em que os autores brincam com as palavras, atribuindo a elas significados às vezes jamais vistos, é que a leitura dos poemas ou dos textos canção (os poemas musicados) não é simples. Exige um esforço do leitor no sentido de desvendar os possíveis significados veiculados no texto.

Abertura de sentido
Falamos em possíveis significados porque o texto poético tem como característica a abertura de sentido, quer dizer, o leitor não é apenas alguém que vai se aproximar do significado do texto, mas construir seu sentido a partir da leitura das imagens. Como não há uma única leitura das imagens e como o texto poético não se preocupa com a objetividade e com a imediatez, o leitor é como uma espécie de co-autor, que faz da leitura um momento de criação.

É claro que o texto poético apresenta uma série de elementos que, articulados, formam um todo e que essa articulação nos diz que alguns sentidos não são possíveis. Por isso, é fundamental construir uma leitura coerente, ou seja, que busque encadear os vários elementos do texto, atribuindo a eles um sentido possível, entre tantos outros.

Há muito o que dizer sobre o texto poético. Vamos nos deter, aqui, em algumas questões e aprofundaremos o tema em outras ocasiões. Nossa reflexão terá como objeto uma música de Bob Marley. A canção se chama "I shot the sheriff" e, muito provavelmente, você deve conhecê-la.

Reproduzimos, abaixo, as três primeiras estrofes.

I shot the sheriff
(Bob Marley )

I shot the sheriff
But I didn't shoot no deputy, oh no! Oh!
I shot the sheriff
But I didn't shoot no deputy, ooh, ooh, oo-ooh

Yeah! All around in my home town,
They're tryin' to track me down;
They say they want to bring me in guilty
For the killing of a deputy,
For the life of a deputy.
But I say:

Oh, now, now. Oh!
I shot the sheriff. - the sheriff.
But I swear it was in self-defence.
Oh, no! Ooh, ooh, oo-oh! Yeah!
I say: I shot the sheriff - Oh, Lord!
And they say it is a capital offence.
Yeah! Ooh, ooh, oo-oh! Yeah!

Observe que no texto há uma provocação. Alguém está dizendo que atirou no sheriff e não no deputy. É preciso, então, descobrir o sentido dessas palavras. Com relação a sheriff, a palavra em português xerife tem o mesmo significado que essa em inglês. No entanto, não podemos dizer o mesmo sobre deputy. Há dois sentidos para essa palavra: deputado e delegado. Portanto, devemos analisar o contexto com mais calma.

Deputado ou delegado?
Qual seria o sentido mais adequado dessa palavra para esse contexto: deputado ou delegado? Para compor o sentido do texto, talvez seja melhor optarmos por delegado, já que a função do xerife pode ser substituída pela função de delegado, quer dizer, alguém que tem o poder de fazer cumprir a lei.

No entanto, há uma diferença significativa entre o xerife e o delegado. Ou, pelo menos, deveria haver. Pensemos, primeiro, em xerife. Quando ouvimos essa palavra nos lembramos daqueles filmes de cowboy ou faroeste em que o xerife manda na cidade, faz suas próprias leis e prende as pessoas com base nelas. Há, na atitude do xerife, a arbitrariedade.

Essa não é a representação que temos de delegado. Este é um cumpridor das leis existentes, criadas pelos juristas e, num Estado democrático, reconhecidas pelos cidadãos. A figura do delegado transmite a ideia de que a justiça não se baseia em leis criadas por uma pessoa ou por um grupo de pessoas, mas amplamente legitimadas socialmente.

Legítima defesa
Quando lemos no texto que alguém atirou no xerife e não no delegado, podemos pensar que essa pessoa que foi morta não agia como delegado, mas como xerife, ou seja, agia a partir de suas próprias ideias, criava suas próprias leis. Era arbitrária. Podem-se observar pistas de que esse sentido é possível já nas primeiras estrofes. Veja que o texto diz "They're are tryin' to track me down", ou seja, "eles estão querendo me pegar", "querem que eu caia numa armadilha".

O texto diz, ainda, que a pessoa atirou no xerife em legítima defesa ("It was in self-defence"), o que significa que essa pessoa corria risco de vida. Portanto, o texto quer transmitir a ideia de que um delegado age como um xerife e, inclusive, pode cometer injustiças.

A analogia presente no texto (do delegado como um xerife) exige que estabeleçamos relações entre coisas, entre ideias, entre representações que temos a respeito do mundo e das coisas do mundo. É esse exercício da reflexão que o texto poético nos convida a fazer.

Veja no link acima o letra completa da música e tente achar outros elementos que contribuam para a leitura que fizemos ou atribua um outro sentido possível para o texto. Se quiser saber um pouco sobre Bob Marley, veja no segundo link como o verbete de um dicionário o apresenta.

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