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Após suicídio de aluno, universidade dos EUA cria moradias especiais para comunidade LGBT

Ariel Kaminer

Do New York Times

25/09/2012 06h00

Há dois anos, Tyler Clementi, um calouro gay da Universidade Rutgers, cometeu suicídio após saber que seu colega de quarto ridicularizou sua sexualidade e convidou amigos para espiá-lo com outro homem. Esse terrível episódio chamou uma atenção nacional nada bem-vinda para a universidade. Antes conhecida como uma escola estadual grande e diversa, Rutgers passou a ser associada a homofobia e crueldade.

Mas hoje, estudantes gays, lésbicas, bissexuais, transgênero e aqueles que os apoiam podem escolher quatro opções de moradia especializada, três delas novas, variando de um serviço que as une com colegas de quarto de mentalidade semelhante, até a Perspectivas Arco-Íris, um piso em um dormitório organizado em torno de interesses comuns.

Eles agora podem contar com apoio dos 130 funcionários e membros do corpo docente que foram treinados como contatos oficiais do campus, ou com os estudantes de um novo programa de treinamento para “aliados”, cuja sessão inaugural já está com lotação máxima. A edição deste ano de um manual que lista os recursos do campus para “questões homossexuais” tem 92 páginas.

E nesta semana, a Campus Pride (orgulho do campus), uma organização que avalia as escolas com base em suas políticas inclusivas, deu ao campus principal da Rutgers, em New Brunswick, a cotação máxima, cinco estrelas. Dentre as 32 categorias possíveis nas quais uma escola pode se distinguir, a Rutgers teve sucesso em 31.

A Rutgers tem uma longa história de inclusão; quando a Liga Homofila de Rutgers foi fundada em 1969, por exemplo, ela era apenas o segundo grupo estudantil do gênero no país. Mas desde a morte de Clementi em 22 de setembro de 2010, a universidade tem aumentado seus esforços, estimulada por uma comunidade que se expressa intensamente no campus, uma administradora cheia de energia e uma necessidade urgente de controle de danos.

Mesmo alguns dos estudantes ficaram surpresos pela força da política de inclusão da Rutgers.

Em 2011, pouco antes do início de seu primeiro ano na Rutgers, Nicole Margolies estava falando com um supervisor quando disse: “Eu sou transgênero, e não sei o que fazer a respeito. Para onde eu vou?” Nick, como o estudante é conhecido agora, temia que nem mesmo sua entrada seria autorizada no campus. Em vez disso, ele disse, quando ele chegou lá, o nome na porta de seu quarto no dormitório tinha sido atualizado. Seus professores o tratam como “ele”. E todos o fazem se sentir normal. Ele diz que se espantou.

Aliados

No centro de toda essa atividade está Jenny Kurtz, a chefe do Centro para Educação de Justiça Social e Comunidades GLS da Rutgers. Falando rápido como uma metralhadora, ela soa como uma estudante especialmente cafeinada. Mas com seus cabelos loiros, óculos escuros enormes e salto alto, ela mais parece uma agente júnior de Hollywood e se destaca facilmente em um campus descontraído de bonés e jeans.

Kurtz disse que uma das maiores prioridades de seu trabalho era “criar aliados” –pessoas cujas identidades não correspondessem às iniciais em seu portfólio, mas que se consideram amigas da causa ou causas, e querem saber mais sobre como ajudar.

Esse esforço, que somado aos outros projetos do centro, sai de um orçamento discricionário de US$ 70 mil neste ano (em comparação a US$ 40.500 no ano anterior à morte de Clementi), parece ser extremamente bem-sucedido. Além da procura por programas de treinamento, ela disse que não consegue produzir broches de “aliado” rápido o bastante; tão logo ela recebe mil, as pessoas os pegam e pedem mais.

Além dos próprios estudantes gays e transgênero e do círculo concêntrico daqueles que se posicionam ativamente como aliados, não se sabe até onde a mensagem do centro se espalhou. Kurtz disse que ainda não encontrou nenhuma pessoa que não desse apoio. Mas Rutgers é, afinal, uma universidade de 59 mil alunos espalhados por vários campi.

  • A residência universitária oferece um andar específico para membros da comunidade LGBT

Stefan Koekomoer, um aluno de estudos medievais que se formou no ano passado, disse ter ouvido vários comentários e xingamentos homofóbicos ao longo dos anos.

“Eu quase fui atrás de dois sujeitos porque estavam ridicularizando e apontando” para um amigo gay, ele disse. Koekemoer, que é heterossexual, disse que ele próprio às vezes era xingado, mesmo durante as aulas. Robert S. Goopio, o presidente da Delta Lambda Phi, uma fraternidade predominantemente gay da Rutgers, disse que “a cultura era diferente há alguns anos”. Desde a morte de Clementi, ele especulou, “muita gente que pode ser homofóbica provavelmente não dirá, por causa das consequências que elas veem que podem acontecer”.

Parte dessa mudança também pode refletir um espaço de tempo notável na história da sexualidade americana. Há dois anos, o presidente Barack Obama ainda não tinha endossado o casamento de mesmo sexo e o Estado de Nova York ainda não o tinha legalizado (Nova Jersey ainda tem uniões civis). A política “não pergunte, não diga” das forças armadas ainda não tinha sido derrubada, e o Exército ainda não tinha promovido uma general assumidamente lésbica.

E Dharun Ravi, o estudante que espiava Clementi, ainda não tinha sido condenado por invasão de privacidade e intimidação preconceituosa, apesar de sua pena de 30 dias de cadeia ter sido criticada por alguns defensores de direitos dos gays como leniente demais.

Nesse breve espaço de tempo, ser um estudante universitário gay passou a significar algo leve e crucialmente diferente do que quando Clementi chegou ao campus.

“Eu sou de South Jersey, que é uma área bem homofóbica”, disse Andrew Massaro, um calouro e membro da Delta Lambda Phi. “Mas quando cheguei aqui, eu percebi que as boas novas estavam se espalhando, e espalhando depressa.”

O resultado é uma universidade onde, segundo alguns estudantes, a presença altamente visível de estudantes gays, lésbicas, bissexuais e transgênero se tornou uma parte básica e comum da vida no campus.
 

Seu espaço

A Perspectivas Arco-Íris inclui não apenas estudantes que, por causa de sua identidade sexual e de gênero, se sentem deslocados em um dormitório tradicional. Ela também inclui estudantes heterossexuais que gostam de companhia.

Assim, Jeff Thomas, um calouro, mora ali com sua namorada –o que seria contra as regras em um dormitório tradicional, onde os estudantes só podem dividir um quarto com outros do mesmo gênero legal. E Nick Margolies, do segundo ano, mora lá com um colega de quarto do sexo masculino, algo que também seria contra as regas pelo mesmo motivo. A Delta Lambda Phi agora conta tanto com seu primeiro membro transgênero quanto com seu primeiro membro hétero.

Leonard Haas, um membro da fraternidade, disse que já ouviu um insulto na Rutgers enquanto andava pela rua de mãos dadas com outro homem. Mas como Haas se sente tão à vontade como gay na Rutgers, e como aquele comentário destoava demais da recepção calorosa que ele teve, ele a ignorou.

“Eu estou feliz”, ele disse. “Eu estou em um lugar legal, então não importa.”

 

Tradutor: George El Khouri Andolfato