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Para ajudar na escola, médicos prescrevem remédios até a quem não tem deficit de atenção

Alan Schwarz

Do New York Times, em Canton, Geórgia (EUA)

13/10/2012 06h00

Quando o doutor Michael Anderson ouve falar que seus pacientes de baixa renda têm dificuldades na escola elementar, geralmente lhes dá uma amostra de um remédio poderoso: Adderall.

As pílulas reforçam o foco e promovem o controle em crianças com TDAH (transtorno de deficit de atenção e hiperatividade). Embora o TDAH seja o diagnóstico que Anderson faz, ele chama o distúrbio de "inventado" e "uma desculpa" para prescrever um medicamento para tratar o que ele considera a verdadeira doença das crianças - fraco desempenho acadêmico em escolas inadequadas.

"Eu não tenho muitas opções", disse em uma entrevista Anderson, um pediatra de muitas famílias pobres em Cherokee County, ao norte de Atlanta.

"Decidimos como sociedade que é caro demais modificar o ambiente da criança. Por isso temos de modificar a criança."

Anderson é um dos defensores mais declarados de uma ideia que está ganhando interesse entre alguns médicos. Eles estão prescrevendo estimulantes para estudantes em dificuldades em escolas com pouco dinheiro - não para tratar TDAH, necessariamente, mas para melhorar seu desempenho escolar.

Ainda não está claro se Anderson é o representante de uma tendência crescente. Mas alguns especialistas notam que enquanto os estudantes ricos abusam de estimulantes para aumentar as notas já boas em faculdades e colégios, os medicamentos estão sendo usados em crianças de baixa renda com notas fracas e pais ansiosos para vê-los aprovados.

"Nós como sociedade não quisemos investir em intervenções não farmacêuticas muito eficazes para essas crianças e suas famílias", disse Ramesh Raghavan, um pesquisador de serviços de saúde mental infantil na Universidade de Washington em St. Louis e especialista em medicamentos usados entre crianças de baixa renda. "Estamos efetivamente forçando os psiquiatras da comunidade local a usar a única ferramenta a sua disposição, que são os remédios psicotrópicos."

A doutora Nancy Rappaport, uma psiquiatra infantil em Cambridge, Massachusetts, que trabalha basicamente com crianças de baixa renda e suas escolas, acrescentou: "Estamos vendo isso cada vez mais. Usamos uma camisa-de-força química em vez de fazer coisas que são igualmente importantes, às vezes mais".

O instinto de Anderson, ele diz, é o de um "pensador de justiça social" que está "equilibrando a balança um pouco". Ele disse que as crianças que ele vê com problemas acadêmicos são basicamente "desencontradas com seu ambiente" - não se encaixam nos moldes da educação pública. Como suas famílias raramente podem pagar terapias comportamentais como tutoramento e aconselhamento familiar, ele disse, a medicação torna-se a maneira mais confiável e pragmática de redirecionar o estudante para o sucesso.

"Para as pessoas que estão tirando notas A e B, eu não dou", ele disse. Para alguns pais as pílulas oferecem um grande alívio. Jacqueline Williams disse que é muito grata a Anderson por diagnosticar TDAH em seus filhos - – Eric, 15; Chekiara, 14; e Shamya, 11 – e prescrever Concerta, um estimulante de longa atuação, para todos. Ela disse que todos tinham problemas para escutar as instruções e se concentrar no trabalho escolar.

"Meus filhos não querem tomar, mas eu lhes digo: 'Estas são suas notas quando vocês tomam, e estas quando não tomam', e eles entenderam", disse Williams, notando que o seguro Medicaid cobre quase todos os centavos de seus gastos com médicos e remédios.

Alguns especialistas veem pouco prejuízo no fato de um médico responsável usar Ritalina ou semelhantes para ajudar um estudante em dificuldade. Outros - mesmo entre os muitos como Rappaport que elogiam o uso de estimulantes no tratamento para TDAH clássico - temem que os médicos estejam expondo as crianças a riscos físicos e psicológicos imprevistos. Os efeitos colaterais relatados das drogas incluem supressão de crescimento, pressão sanguínea aumentada e, em casos raros, episódios psicóticos.

O distúrbio, que é caracterizado por desatenção severa e impulsividade, é um diagnóstico psiquiátrico cada vez mais comum entre jovens americanos: cerca de 9,5% dos jovens entre 4 a 17 anos foram considerados afetados por ele em 2007, ou cerca de 5,4 milhões de crianças, segundo os Centros para Controle e Prevenção de Doenças.

A prevalência relatada do distúrbio aumentou constantemente durante mais de uma década, com alguns médicos gratificados por seu maior reconhecimento, mas outros temerosos de que o diagnóstico, e as drogas para tratá-lo, sejam feitos com demasiada facilidade, excluindo as terapias não farmacêuticas.

O DEA (Departamento de Combate a Drogas) classifica esses medicamentos como substâncias controladas porque são especialmente viciantes. Os efeitos em longo prazo do uso extenso não são bem compreendidos, segundo muitos especialistas médicos, alguns dos quais temem que as crianças se tornem dependentes do medicamento até a idade adulta, muito depois que os sintomas de TDAH desapareçam.

Segundo diretrizes publicadas no ano passado pela Academia Americana de Pediatria, os médicos deveriam usar uma de várias escalas de classificação de comportamento, algumas das quais contêm dezenas de categorias, para garantir que uma criança não apenas se encaixe nos critérios de TDAH, mas também não tenha condições relacionadas como dislexia ou transtorno oposicional desafiador, em que a raiva intensa é dirigida para figuras de autoridade. Entretanto, um estudo de 2010 publicado no "Journal of Attention Disorders" sugeriu que pelo menos 20% dos médicos disseram que não seguiam esse protocolo ao fazer seus diagnósticos de TDAH, muitos deles seguindo o instinto pessoal.

Na prateleira da cozinha da família Rocafort em Ball Ground, Geórgia, ao lado da manteiga de amendoim e do caldo de galinha, há uma cesta de arame cheia de vidros de remédios para crianças prescritos por Anderson: Adderall para Alexis, 12; e Ethan, 9; Risperdal (um antipsicótico para estabilização do humor) para Quintn e Perry, ambos com 11; e Clonidine (uma ajuda para dormir, para contrabalançar os outros medicamentos) para os quatro, tomados à noite.

Quintn começou a tomar Adderall para TDAH há cerca de cinco anos, quando seu comportamento perturbador na escola provocou telefonemas para casa e suspensões. Ele imediatamente se acalmou e tornou-se um estudante mais atento e interessado - um pouco mais como Perry, que também tomava Adderall para o TDAH.

Quando a tempestade química da puberdade começou, por volta dos 10 anos, porém, Quintn começou a brigar na escola porque, segundo ele, outras crianças insultavam sua mãe. O problema é que elas não faziam isso; Quintn via pessoas e ouvia vozes que não existiam, um efeito colateral raro mas reconhecido do Adderall. Depois que Quintn admitiu pensar em suicídio, Anderson prescreveu uma semana em um hospital psiquiátrico local e uma mudança para Risperdal.

Enquanto contavam essa história, os Rocafort chamaram Quintn para a cozinha e lhe pediram para descrever por que lhe haviam dado Adderall. "Para me ajudar a me concentrar no trabalho escolar, na lição de casa, a escutar mamãe e papai e não fazer o que eu costumava fazer com meus professores, irritá-los", ele disse. Ele descreveu a semana no hospital e os efeitos do Risperdal: "Se eu não tomar meu remédio terei atitudes. Vou desrespeitar meus pais. Eu não estaria como estou".

Apesar da experiência de Quintn com Adderall, os Rocafort decidiram usá-lo com sua filha Alexis e o filho Ethan. Essas crianças não têm TDAH, segundo seus pais. O Adderall é apenas para ajudar em suas notas e porque Alexis era, nas palavras seu pai, "um pouco desligada".

"Nós vimos os dois lados do espectro: vimos o positivo e vimos o negativo", disse o pai, Rocky Rocafort. Reconhecendo que o uso de Adderall por Alexis é "cosmético", ele acrescentou: "Se eles estão se sentindo positivos, felizes, mais sociáveis, e isso os está ajudando, por que não?"

O doutor William Graf, pediatra e neurologista infantil que atende a muitas famílias pobres em New Haven, Connecticut, disse que uma família deve poder decidir sozinha se o Adderall pode beneficiar seu filho que não tem TDAH, e que um médico pode prescrever eticamente um teste, desde que os efeitos colaterais sejam monitorados de perto. Ele manifestou preocupação, porém, de que o uso crescente de estimulantes dessa maneira possa ameaçar o que chamou de "autenticidade do desenvolvimento".

"Essas crianças ainda estão na fase de desenvolvimento, e ainda não sabemos como essas drogas afetam biologicamente o cérebro em desenvolvimento", ele disse. "Existe uma obrigação dos pais, médicos e professores de respeitar a questão da autenticidade, e não tenho certeza se isso acontece sempre."

Anderson disse que toda criança que ele trata com medicação para TDAH preencheu as qualificações. Mas também criticou esses critérios, dizendo que foram codificados apenas para "fazer algo completamente subjetivo parecer objetivo". Ele acrescentou que os relatórios de professores quase invariavelmente citam comportamentos que permitiriam esse diagnóstico, decisão que ele chamou de mais econômica que médica.

"A escola disse que se eles tivessem outras ideias o fariam", disse Anderson. "Mas as outras ideias custam dinheiro e recursos, comparadas com medicação."

Anderson citou a Escola Elementar William G. Hasty em Canton como uma das escolas com que ele lida frequentemente. O diretor da escola, Izell McGruder, não respondeu a várias mensagens pedindo seus comentários.

Vários educadores contatados para esse artigo consideraram o tema do TDAH tão polêmico que não quiseram comentar - o diagnóstico é mal utilizado às vezes, disseram, mas para muitas crianças é uma séria deficiência de aprendizado. O superintendente de um grande distrito escolar da Califórnia, que falou sob a condição do anonimato, notou que os índices de diagnósticos de TDAH aumentaram tão acentuadamente quanto os fundos da escola diminuíram.

"É assustador pensar que chegamos a isso; como não financiar a educação pública para suprir as necessidades de todas as crianças levou a isto", disse o superintendente, referindo-se ao uso de estimulantes em crianças sem TDAH clássico. "Não sei, mas pode estar acontecendo aqui mesmo. Talvez não abertamente, mas poderia ser uma consequência de um médico que vê uma criança falhando em classes superlotadas com outras 42 crianças, e os pais frustrados perguntando o que podem fazer. O médico diz: 'Talvez seja TDAH, vamos experimentar isto'."

Quando lhe disse que os Rocafort insistem que seus dois filhos que tomam Adderall não têm e nunca tiveram TDAH, Anderson disse estar surpreso. Ele consultou seus prontuários e encontrou um questionário dos pais. Todas as categorias que avaliam a gravidade dos comportamentos associados a TDAH receberam a nota máxima, 5, exceto uma que recebeu 4.

"Essa é a minha apreensão sobre essa coisa", disse Anderson. "Nós colocamos um rótulo sobre uma coisa que não é binária - ou você tem ou não tem. Nós não dizemos simplesmente que há um estudante que tem problemas na escola e problemas em casa e provavelmente, segundo o médico, com o acordo dos pais, vai experimentar o tratamento médico."

Ele acrescentou: "Nós podemos não saber os efeitos em longo prazo, mas sabemos os custos em curto prazo do fracasso escolar, que são reais. Eu examino a pessoa individual e onde ela se encontra neste momento. Sou um médico do paciente, e não da sociedade".