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MPF: Servidoras aproveitaram 'sistema frágil' para montar fraude na UFPR

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Imagem: Divulgação

Por Rafael Moro Martins

Colaboração para o UOL, em Curitiba

22/03/2017 00h34

Depois de atuar durante anos no comando do setor responsável pelos pagamentos de bolsas e auxílios-pesquisa da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Conceição Abadia Abreu Mendonça se tornou colaboradora da investigação sobre o esquema que desviou R$ 7,3 milhões da instituição. As informações de Conceição sobre como funcionava a fraude estão na denúncia oferecida à Justiça nesta terça-feira (21) pelo Ministério Público Federal (MPF), a cujo conteúdo o UOL teve acesso.

O documento revela que Conceição, ex-chefe do Setor de Orçamento e Finanças da Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa (PRPPG) da UFPR, e outras duas servidoras, Tânia Catapan e Maria Áurea Roland (esta já aposentada), "amigas de longa data e conhecedoras das fragilidades dos sistemas de controle e fiscalização da UFPR e da completa falta de transparência e cuidados mínimos com as rotinas administrativas, (...) resolveram novamente conjugar esforços para entabular e reativar algum esquema ilícito com o propósito de desviar recursos da Universidade em seu proveito".

"De acordo com a estratégia criminosa, deveriam ser angariados nomes e CPFs de pessoas que fossem da confiança das denunciadas, a fim de que passassem a figurar como bolsistas da UFPR e depois concordassem em ir ao banco e sacar os valores ilicitamente creditados em suas contas, para repassá-los às articuladoras das fraudes", diz a denúncia assinada pelo procurador João Vicente Beraldo Romão. Gisele Roland, filha de Maria Áurea e amiga de Conceição e Tânia, também é denunciada pelo MPF como uma das autoras do esquema.

O esquema teria começado com apenas dois processos fraudulentos de pagamento --segundo o documento, em março de 2013. "Conceição forjou e autuou os dois processos e elaborou as respectivas planilhas de pagamento e autorização de empenho, incluindo o nome de apenas alguns poucos beneficiários, deixando os expedientes em questão para coletar a assinatura do ordenador de despesas --no caso, o pró-reitor titular da PRPPG, Edilson Sérgio Silveira, ou sua substituta, Graciela Bolzón (atualmente vice-reitora da UFPR)--, com o objetivo de apurar e testar se o esquema criminoso criado alcançaria sucesso", diz a denúncia.

"Diante do sucesso do estratagema, Conceição, Tânia, Maria Áurea e Gisele resolveram dar seguimento e ampliar as fraudes, buscando novas pessoas que aceitassem figurar na condição de falsos bolsistas", escreve o procurador. "Posteriormente, [as quatro denunciadas] estabeleceram que cada uma delas deveria ficar integralmente com os valores desviados pelos falsos bolsistas cooptados por seus respectivos núcleos."

De acordo com o MPF, Conceição e Tânia, que ocupavam cargos de confiança até a eclosão do escândalo, "cuidavam da parte operacional e logística da fraude no âmbito interno da UFPR, valendo-se das facilidades que seus cargos lhes proporcionavam, da confiança adquirida em face do expressivo tempo de trabalho como servidoras da entidade e da evidente falta de efetivo cuidado e controle administrativo de suas ações por parte dos seus superiores hierárquicos".

Para ampliar o número de "bolsistas" e, dessa forma, o valor desviado, as quatro denunciadas como arquitetas do esquema se valeram da ajuda de Márcia Cristina Catapan e Melina Cristina Catapan, filhas de Tânia, e de Aneilda Josefa de Jesus, amiga de Gisele, aponta a denúncia.

"Os falsos bolsistas tinham conhecimento da origem ilícita dos recursos que lhes eram creditados e, em contrapartida, recebiam a quantia de R$ 1.500 a R$ 1.800 por depósito recebido e por efetuar o repasse em favor de Conceição", detalha o MPF.

"Servidora exemplar"

Até a eclosão da operação Research, em 15 de fevereiro passado, Conceição e Tânia gozavam de prestígio na UFPR. Uma chefe de departamento da instituição, que falou à reportagem sob a condição de anonimato, disse que ambas pareciam "corretíssimas". "Conceição pedia correções quando havia as menores lacunas em algum documento", falou a docente.

"Conceição tinha décadas de bons serviços prestados. Todos os pró-reitores que passaram pela PRPPG tinham convicção de que ela era absolutamente séria, honesta, competente. [A fraude] surpreendeu a todos na UFPR. Pergunte a qualquer pesquisador qual era a imagem da Conceição há três meses, antes de estourar esse escândalo. Era uma servidora exemplar", disse, no início do mês, o ex-reitor Zabi Akel Sobrinho --levado a depor à PF, mas não denunciado pelo MPF.

A denúncia do MPF pede que Conceição Abadia de Abreu Mendonça, Tânia Catapan, Maria Áurea Roland, Gisele Aparecida Roland, Márcia Cristina Catapan, Melina de Fátima Catapan e Aneilda Josefa de Jesus sejam processadas por associação criminosa, peculato (apropriação indébita praticada por funcionário público) e lavagem de dinheiro.

Denunciados, vice-reitora e ex-pró-reitor não devem responder a processo

Embora admita que não houve dolo (isto é, intenção) de cometer crime, o MPF também incluiu na denúncia a atual vice-reitora da UFPR, Graciela Bolzón, e o ex-pró-reitor de Pós-Graduação e Pesquisa, Edílson Sérgio Silveira, por peculato culposo --quando por negligência, imprudência ou imperícia, se permite involuntariamente que outro servidor se aproprie de bens públicos.

"Eles deixaram de atuar com dever de cuidado necessário e esperado no acompanhamento, fiscalização e controle do processo de utilização dos recursos orçamentários, [assim como] na devida análise de regularidade desses processos de pagamento envolvendo os falsos bolsistas, apondo suas assinaturas e ordenando as despesas indevidas", argumenta o procurador.

"Afora a completa incompatibilidade do perfil desses falsos bolsistas com os benefícios que lhes estavam sendo destinados, Conceição informou que os valores que eram consignados nessas bolsas fraudulentas eram muito altos e destoavam dos montantes pagos a título de auxílio. Nenhum dos falsos bolsistas possuía currículo na plataforma Lattes e estava cadastrado no sistema de bolsas da própria PRPPG, aspectos de fácil verificação e confirmação por parte de Edílson e Graciela", sustenta a denúncia.

"Somente para os pagamentos fraudulentos ocorridos nos anos de 2015 e [em] outubro de 2016, a auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) detectou que o montante desviado pelo esquema representou uma parcela significativa --cerca de 30%-- do orçamento da PRPPG destinado ao pagamento de bolsas", acrescenta o texto.

Apesar disso, noutro documento enviado à Justiça, o procurador João Vicente Romão afirma que oferece a ambos o "benefício da transação penal" --possibilidade prevista na lei para que, em crimes de menor potencial ofensivo, o Ministério Público negocie com o acusado sua pena.

Outro lado

"A denúncia já era esperada. Minha cliente está colaborando com as investigações", disse Paulo Gomes de Souza, um dos advogados de Conceição Abadia.

"Não há provas no inquérito que sustentem a denúncia. A defesa de Tânia provará sua inocência durante a instrução criminal", disse Wesley Bezerra Pupo, advogado de Tânia Catapan.

Os advogados de Maria Áurea Roland e da filha dela, Gisele Roland, não foram localizados. A reportagem também não conseguiu encontrar os responsáveis pela defesa de Aneilda Josefa de Jesus.

O advogado Marlus Arns de Oliveira, que defende Graciela Bolzón, disse que não iria se manifestar sobre o caso. René Dotti, advogado de Edílson Sérgio Silveira, não atendeu à ligação a seu telefone celular, nem retornou à mensagem enviada pelo UOL.