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Dodge pede que STF suspenda decisão que proíbe regra sobre direitos humanos no Enem

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge - Renato Costa / FramePhoto
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge Imagem: Renato Costa / FramePhoto

Gustavo Maia

Do UOL, em Brasília

03/11/2017 20h16Atualizada em 03/11/2017 20h43

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu nesta sexta-feira (3) que o STF (Supremo Tribunal Federal) suspenda a decisão liminar (provisória) da 5ª turma do TRF1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), que no último dia 26 determinou a anulação da regra que prevê nota zero para quem desrespeitar os direitos humanos na prova de redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).

O pedido foi protocolado no mesmo dia que o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), órgão do MEC (Ministério da Educação), apresentou um recurso com o mesmo objetivo ao STF, em caráter de urgência, já que a prova de redação do exame será aplicada a mais de 6 milhões de candidatos neste domingo (5).

Para Dodge, a decisão do TRF1 --que atendeu ao pleito da Associação Escola Sem Partido-- viola a segurança jurídica e que sua suspensão evitaria "grave lesão à ordem pública" e "o desnecessário tumulto na preparação dos candidatos". A procuradora-geral também defendeu que desconsiderar a norma --que consta no edital do exame-- implicaria em "espécie de retrocesso social".

Os dois recursos devem ser apreciados pela presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, que é quem está no plantão judicial da Corte. Diante do embate jurídico, o MEC recomendou os candidatos que continuem seguindo as regras do edital dispostas no edital, porque a nota da redação poderá ser revista caso a decisão do TRF1 seja derrubada.

Direitos humanos

Ao longo de nove páginas, Dodge argumenta que as informações contidas no manual de redação do Enem "não permitem antever propósito de imposição de tal ou qual ideologia", como defende a Escola Sem Partido. Ela lembra ainda que a regra está em vigor desde 2013 e não gerou os efeitos apontados pelos autores da ação civil pública.

Não se trata de tolher o direito de livre manifestação do candidato, e, sim, de alertá-lo para a necessidade de exercício responsável do direito, que não desrespeite, em seu discurso, direitos fundamentais de seus semelhantes."
Raquel Dodge, procuradora-geral da República

O Inep, por sua vez, criticou a atuação do TRF1 ao afirmar que houve ofensa “ao normal e legítimo exercício da função administrativa pela autoridade legalmente constituída". "O acórdão cuja suspensão é requerida interfere indevidamente na atividade da administração, mais precisamente em critério de correção do Enem, em evidente ofensa ao princípio constitucional da separação dos poderes”, diz a petição.

O instituto contesta a Associação Escola Sem Partido, afirmando que o Enem segue todas as normas educacionais e que elas são regidas pela Constituição de 1988. “O critério de correção adotado pelo Inep [para o Enem] não foi inserido no edital por questões aleatórias ou partidárias, como pretende sugerir a Associação Escola sem Partido”, diz o texto.

No documento, o órgão cita ainda os tratados internacionais assinados pelo Brasil para a proteção e promoção dos direitos humanos e argumenta que a insegurança sobre a regra aplicável ao Enem tem gerado intranquilidade social, já que os candidatos nesse momento não têm certeza se devem seguir o edital ou a decisão judicial.

Além disso, afirma haver “risco eminente à ordem pública” por gerar “a falsa expectativa de que estarão livres para desrespeitar abertamente os direitos humanos na redação, isentos das justas e necessariamente rigorosas consequências previstas desde sempre no edital”.

“Surpreende que se pretenda permitir acesso às universidades públicas a quem possa desrespeitar direitos humanos, como se não fosse esse um valor supremo a ser observado por todos”, diz a autarquia no documento.

O Inep diz ainda existir o “fundado receio” de que haja textos que incitem discursos de ódio, que “agridam os direitos humanos e a própria democracia”.

Nota de redação pode ser revista se decisão for derrubada

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Entenda o caso

O item 14.9.4 do edital do Enem 2017 estabelece que será atribuída nota zero à redação “que apresente impropérios, desenhos e outras formas propositais de anulação, bem como que desrespeite os direitos humanos, que será considerada ‘anulada’”.

Foi contra ele que a Associação Escola Sem Partido entrou com uma ação judicial. A exigência é uma regra existente desde 2013, após a publicação das Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos, ocorrida em 2012.

A Escola Sem Partido alega que a regra é uma "punição no expressar de opinião". "Ninguém é obrigado a dizer o que não pensa para poder ter acesso às universidades", argumentou a Associação Escola Sem Partido.

Dada a proximidade do Enem, a decisão TRF1 foi tomada em caráter de urgência. Ao analisar o caso, portanto, o relator do processo, o desembargador federal Carlos Moreira Alves, afirma ter invocado dois fundamentos que sustentariam a ilegitimidade do item 14.9.4 do edital do Enem: a ofensa à garantia constitucional de liberdade de manifestação de pensamento e opinião e a ausência de uma referência objetiva no edital do exame.

Nos dois últimos anos, os temas das redações do Enem alimentaram polêmica nas redes sociais e entre organizações ligadas à educação. Em 2015, o candidato precisou dissertar sobre violência contra a mulher. No ano passado, o episódio se repetiu com o tema "Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil".

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O que é um texto que fere direitos humanos?

Segundo dados do Inep, entre 8,6 milhões de participantes inscritos, 84.236 redações foram anuladas no Enem 2016. Deste total, 4.798 redações foram zeradas por desrespeito aos direitos humanos, ou seja, 5,7%.

Um exemplo de texto considerado ofensivo aos direitos humanos é aquele que faz uso da "Lei de Talião":

“A continuidade de práticas de práticas violentas contra a mulher é favorecida pelo que é definido como violência simbólica. Nesse tipo de violência, a sociedade passa a aceitar como natural as imposições de um segmento social hegemônico, neste caso, o gênero masculino, causando a legitimação da violação de direitos e/ou da desigualdade. Nesse contexto, deve-se adotar a prática de “olho por olho, dente por dente” para que a violência contra a mulher não fique impune. O agressor deve sofrer a mesma agressão que cometeu.”

Escrever que a pena do criminoso deve ser idêntica ao crime que cometeu é um desrespeito aos direitos humanos, segundo as regras do Enem.

Em nota, o Inep comunicou que estão mantidos os critérios de avaliação das cinco competências da redação do Enem 2017 tal como divulgados em seus documentos oficiais, como a Cartilha do Participante. "Aos participantes do Enem 2017, o Inep reafirma que está tudo organizado com segurança e tranquiliza a todos quanto à realização das provas", diz.