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Organizações entram na Justiça contra cancelamento de vestibular para trans

Alex Tajra

Do UOL, em São Paulo

12/08/2019 16h03

Representando organizações que defendem LGBT, o advogado Paulo Iotti moveu uma ação pública para que a seja aberto um novo vestibular para transexuais na Unilab (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira).

A petição, publicada na Justiça Federal do Ceará no último dia 5, ainda pede indenização por dano moral "não inferior" a R$ 1 milhão, que devem ser arcados pela União e pela universidade.

Segundo o texto da ação, o valor deve ser gerido por um fundo "composto necessariamente por integrantes do Ministério Público e da comunidade, no caso, de lideranças dos Movimentos de Travestis, Transexuais (mulheres transexuais e homens trans), Intersexos (homens e mulheres) e Pessoas Não-Binárias, por serem as coletividades efetivamente vítimas do dano moral coletivo em questão."

O pedido vem na esteira de uma intervenção do Ministério da Educação na Unilab, que suspendeu um vestibular para transexuais, travestis, intersexuais e pessoas não binárias em julho.

As vagas que haviam sido oferecidas pela universidade aos candidatos trans estão ociosas, ou seja, não foram preenchidas pelos vestibulares regulares.

Menos de uma semana depois, o presidente Jair Bolsonaro publicou em uma das suas redes sociais: "A Universidade da Integração da Lusofonia Afro-Brasileira (Federal) lançou vestibular para candidatos TRANSEXUAL [sic], TRAVESTIS, INTERSEXUAIS e pessoas NÃO BINÁRIOS [sic]. Com intervenção do MEC, a reitoria se posicionou pela suspensão imediata do edital e sua anulação a posteriori."

A ação é apoiada por pelo menos três associações LGBTQ: Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABLGBT) e o Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero (GADvS).

O texto assinado por Iotti relata "transfobia institucional" e "violação da garantia constitucional da autonomia universitária pela intervenção (discriminatória) do MEC". A Constituição do país garante autonomia "didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial", conforme o artigo 207.

À época, o MEC afirmou à reportagem do UOL que "a universidade não apresentou parecer com base legal para elaboração da política afirmativa de cotas."

"Assim, não restou às Autoras outra alternativa senão ingressar com o presente litígio, para fins de condenação das Rés em dano moral coletivo (responsabilidade solidária), bem como da Corré UNILAB, para fins de elaboração de novo edital, para que garanta cotas universitárias aos grupos vulneráveis vítima da discriminação fruto da transfobia externada pelo Sr. Presidente da República.", diz a ação.

Exclusão

Como forma de respaldar o edital específico para pessoas transexuais, intersexuais e não binárias, a Unilab citava em seu site um levantamento da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), publicado em maio deste ano, que afirma que só 0,2% de estudantes de graduação das universidades federais são transgêneros.

A ação faz menção à importância dos estados de "desenvolverem e implementarem programas de ações afirmativas para promoverem a participação pública e política de pessoas marginalizadas em razão de sua orientação sexual, identidade de gênero, expressão de gênero ou características sexuais."

O Brasil é dos países mais violentos para as pessoas LGBTQ: relatório entregue à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e à Advocacia Geral da União (AGU) mostrou que 8.027 LGBTs foram assassinados entre 1963 e 2018 em razão de orientação sexual ou identidade de gênero.

O documento foi elaborado por Julio Pinheiro Cardia, ex-coordenador da Diretoria de Promoção dos Direitos LGBT do Ministério dos Direitos Humanos. Entre 2011 e 2018, conforme o relatório, 4.422 pessoas LGBTQ foram assassinadas, o que equivale a 552 mortes por ano, ou uma vítima de homofobia a cada 16 horas no país.

Em termos educacionais, não é diferente. Com dificuldades para concluir o ensino regular e para ingressar nas universidades e no mercado de trabalho devido a preconceito, muitas pessoas trans acabam empurradas para a marginalidade.

Ocupação

Desde a intervenção do governo federal para que a Unilab suspendesse o vestibular para pessoas trans, estudantes da instituição passaram a ocupar uma sala de aula do campus de Redenção (CE), a 85 quilômetros de Fortaleza. Segundo nota da reitoria, as atividades devem ser retomadas hoje.