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Sob Bolsonaro, MEC estuda liberar curso de direito a distância

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) e o ministro da Educação, Abraham Weintraub - Antonio Cruz/Ag Brasil
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) e o ministro da Educação, Abraham Weintraub Imagem: Antonio Cruz/Ag Brasil

Ana Carla Bermúdez

Do UOL, em São Paulo

08/10/2019 04h00

Resumo da notícia

  • MEC dá andamento a pedidos do setor para verificar projetos
  • Modalidade a distância no direito é reivindicação antiga
  • Mercado vê, contudo, alterações como repentinas
  • OAB é resistente por temor sobre a qualidade de cursos

O governo Jair Bolsonaro (PSL) pode autorizar o oferecimento de cursos de graduação em direito a distância no Brasil.

Fontes do setor do ensino superior privado ouvidas pelo UOL relataram uma movimentação inédita por parte do MEC (Ministério da Educação) em processos que solicitam a liberação de cursos desse tipo. Protocolados entre cinco e dez anos atrás, os pedidos estavam antes paralisados.

Na prática, o MEC encaminhou os pedidos da Seres (Secretaria de Regulação do Ensino Superior) para o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), órgão responsável por enviar avaliadores para a instituição e verificar se o projeto de curso, conforme solicitado, tem condições de ser implementado.

A movimentação nos processos é vista por professores e coordenadores como uma comunicação formal do ministério indicando receptividade ao credenciamento da graduação em direito na modalidade EaD (ensino a distância).

Pelo menos cinco instituições perceberam essa alteração no status do processo. Professores e coordenadores dizem ter recebido a movimentação com surpresa.

"Foi meio de repente, mas veio a partir de uma demanda do setor. O MEC não inventou isso. Era algo que estava meio adormecido e [a pasta] se manifestou favorável a dar prosseguimento", diz Ricardo Pacheco, diretor de operações EaD da Brazcubas Educação, mantenedora do centro universitário Braz Cubas —uma das instituições que tiveram a movimentação no processo.

"Foi algo que ninguém imaginava que fosse acontecer agora, porque essa briga é antiga. As instituições lutam pelo direito a distância há anos", afirma o diretor de outra instituição que teve movimentação no processo, mas pediu para não ser identificado por medo de represálias.

"A gente não sabe o que vai acontecer depois dessa primeira etapa. Pode ser até que o MEC paralise todos os processos e isso não vá para a frente. É uma situação ainda muito incipiente", diz.

"As coisas ainda não estão absolutamente definidas. Ainda tem muito para acontecer para que isso, de fato, se torne algo prático", concorda Pacheco.

Uma das primeiras instituições a entrar com um pedido para oferecer o curso de graduação em direito a distância, a PUC Minas (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais) não percebeu alterações no processo. Mas, em conversas com o MEC, foi informada de que a possibilidade está, de fato, aberta.

"Nós fizemos uma aceleração do projeto pedagógico e entramos com outra solicitação para oferta do curso, mas também mantendo o processo antigo, para ver o que anda primeiro", diz Marcos Kutova, diretor de educação a distância da instituição.

As etapas seguintes dentro do processo para abertura de um novo curso envolvem a visita técnica de avaliadores do Inep, responsáveis por elaborar um relatório favorável ou não à abertura do curso solicitado.

Caso seja favorável, o relatório é enviado novamente à Seres, responsável por dar encaminhamento à autorização do MEC para a abertura do curso. Fica a cargo do CNE (Conselho Nacional de Educação), no entanto, dar o parecer final sobre a admissibilidade do curso.

Em meio a esse processo, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) tem espaço para se manifestar. O parecer emitido pela ordem é de caráter consultivo —-mesmo assim, a resistência da OAB à graduação em direito a distância é apontada como o principal fator para que não existam cursos desse tipo no Brasil. Hoje, apenas cursos de pós-graduação em direito podem ser oferecidos na modalidade EaD.

José Alberto Simonetti, secretário-geral da OAB, demonstra preocupação com uma possível falta de fiscalização e consequente baixa qualidade na oferta de cursos de graduação em direito a distância. Para ele, o país já vive um cenário grave devido à proliferação de cursos presenciais de direito —segundo o secretário, são mais de 1.700 cursos e 900 mil acadêmicos.

Um indicador do RUF (Ranking Universitário Folha) divulgado hoje aponta que apenas 6% das escolas que oferecem curso de direito conseguem aprovar mais de 50% dos seus alunos no exame da OAB.

"Tendo essa realidade grave, com muitos cursos presenciais que são extremamente mal conduzidos, possibilitar o ensino a distância sem uma supervisão eficaz nos levará a viver o caos do direito no Brasil", afirma. Uma das maiores preocupações do setor é com a prática jurídica, que hoje é entendida como necessariamente presencial.

Os coordenadores, no entanto, discordam. "As instituições que trabalham com EaD se equiparam, desenvolveram suas estruturas, e hoje acredito que estão todas aptas a ofertar o direito a distância", diz Kutova, da PUC Minas.

João Vianney, especialista em educação a distância da consultoria Hoper Educação, afirma que, caso a graduação em direito seja de fato liberada na modalidade a distância, a oferta inicial ainda será menor do que a demanda.

Ele estima que as mensalidades girariam em torno de R$ 750 no início, podendo cair para a faixa dos R$ 400 com o passar dos anos e o aumento do número de vagas. Na modalidade presencial, esse valor pode chegar a até R$ 4.000.

A projeção da Hoper é que, em até dez anos, metade dos alunos de graduação em direito estejam matriculados na modalidade EaD.

O UOL procurou o MEC para saber se a gestão do ministro Abraham Weintraub é favorável à liberação da graduação em direito a distância e se a pasta pretende autorizar o oferecimento desses cursos já em 2020.

Em nota, o ministério respondeu apenas que as instituições que ofertam EaD serão avaliadas de acordo com a Lei nº 10.861, de 2004, que institui o Sinaes (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior).

"A avaliação in loco tem o objetivo de verificar a existência e a adequação de metodologia, de infraestrutura física, tecnológica e de pessoal que possibilitem a realização das atividades previstas no Plano de Desenvolvimento Institucional e no Projeto Pedagógico de Curso", diz o texto.

A reportagem também quis saber qual o posicionamento do ministério com relação às críticas da OAB sobre a qualidade do ensino em um eventual curso de graduação em direito a distância. O MEC respondeu que "o aumento de polos EaD está atrelado à pontuação da qualidade institucional".

"A demanda deve aumentar de acordo com a inclusão e a presença de cursos em cidades que ainda não ofertam educação a distância e facilitar ainda mais o acesso à educação superior", diz a nota enviada pelo ministério.