Topo

Aluno-xerife, beijo punido, hino de cor: um dia em uma escola militar

Carlos Madeiro/Colaboração para o UOL
Imagem: Carlos Madeiro/Colaboração para o UOL

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

05/02/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Colégio dirigido por militares impõe disciplina e hierarquia a alunos em AL
  • Instituição tem bom desempenho no Enem
  • Há grande concorrência pelas vagas

O ginásio do Colégio Tiradentes, da PM (Polícia Militar) de Alagoas, em Maceió, estava cheio na tarde de ontem para receber os novos alunos que vão iniciar o ensino fundamental 2. Em forma e alinhados na quadra, eles são avisados das regras. "Quem não aprendeu o hino tem até sexta-feira para aprender. É obrigação de todo brasileiro saber o hino da sua Pátria", alerta uma militar, diretora da escola, às crianças do 6° ano.

Para os alunos do 7º e 8º anos, o hino está de na ponta da língua: todas as terças-feiras, eles hasteiam bandeiras, cantam hinos e ouvem os recados coletivos da direção.

A rotina do colégio lembra um pouco a de um quartel. As turmas são comandadas por alunos-xerifes, que vão ascendendo em patentes por boas notas. Além disso, é preciso fazer forma e marchar para entrar e sair das salas de aula.

A presença militar não é a única diferença do colégio. No currículo, uma disciplina difere das demais instituições: a CSR (continência e sinais de respeito). "Ela abrange os cânticos e hinos e a ordem unida —que é aprendizado da marcha, dos comandos de pé firme, desfiles etc.", explica o tenente-coronel Carlos Azevedo, diretor do colégio.

Para o militar, apesar da inclusão da matéria no currículo, o colégio é como outra qualquer no ensino. "O único ponto que diferencia da rede estadual é a hierarquia e disciplina, que são cumpridas. Aqui 90% dos nossos professores são da rede pública, poucos são militares. Então vejo apenas essa diferença", conta.

Alagoas foi um dos dez estados que não aderiram ao projeto das escolas cívico-militares. Na segunda-feira (3), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) criticou os governadores que não aderiram.

4.fev.2020 - Fachada de colégio da Polícia Militar em Maceió - Carlos Madeiro/Colaboração para o UOL - Carlos Madeiro/Colaboração para o UOL
Imagem: Carlos Madeiro/Colaboração para o UOL

Comportamento é foco

No Colégio Tiradentes, há um limite de 27 alunos por turma —na rede estadual, esse número chega a 50. Todo aluno passa por análise de comportamento, o que pode resultar em uma saída compulsória da escola. "Não chamamos de expulsão: eles são convidados a deixar a escola. Ano passado, foram sete que tiveram análise ao fim do ano do conselho de disciplina —o qual não participo", diz Azevedo.

Entre os alunos, há pontuação decrescente e promoções por mérito. Todo aluno começa recebendo dez pontos, que podem ser descontados em caso de advertências ou mau desempenho com notas. Se ao fim do ano ele não permanecer com ao menos cinco deles, vai ao conselho escolar, que pode decidir por sua retirada do colégio.

Mas, à medida que os alunos tiram boas notas, eles passam a disputar ascensões de patentes. O "cargo" máximo de coronel é ocupado hoje por uma menina do 3° ano do ensino médio, que tem as melhores notas da instituição. Mas, para chegar lá, é preciso ir passando por patentes menores, como na hierarquia militar.

"Eu sou sargento", conta o jovem Heitor Crespo, 15, aluno do 3º ano. Em 2019, ele chegou a ser punido após ser flagrado beijando a namorada dentro da escola. "Fui suspenso dois dias e perdi 1,6 ponto —é o,8 por dia. Mas tenho notas muito boas", defende-se o aluno que está na instituição desde o 6º ano.

A pontualidade também é exigida à risca. O aluno tem de chegar com até 30 minutos após o início da aula, senão fica fora. Namoro entre alunos e celulares dentro da escola não são permitidos. Os livros, ao fim do ano letivo, devem ser devolvidos, sob pena de não ter a matrícula renovada.

O resultado, diz o diretor, vem nos resultados. "Na Olimpíada Brasileira de Física, entre as escolas públicas, ficamos com o melhor resultado de Alagoas e o quinto do Brasil. Das 29 medalhas de alunos do estado, 19 foram nossas. Todas as sete de ouro saíram daqui."

Além disso, o tenente-coronel Carlos Azevedo relata que há um enorme rigor com a questão do bullying. "Aqui trabalhamos de forma respeito. Aqui, se há uma brincadeira que seja ofensiva, ele só faz uma vez, porque chamamos e resolvemos. Qualquer coisa, chamamos os pais, mas tentamos sempre resolver aqui", afirma.

O diretor defende que mais escolas militares deveriam ser criadas no estado. "Eu sou suspeito para falar, mas acredito que deveria ser expandido. Temos professores que ensinam aqui e em outra escola civil. Será que a aula dele é diferente daqui? Não acredito. O objetivo do aluno é estudar, e aqui cobramos a obrigação dele. Ele pode até não gostar de estudar, mas se o pai o coloca, ele termine ensino médio conquiste o espaço dele", diz.

4.fev.2020 - Tenente-coronel Carlos Azevedo, diretor do colégio da PM (Polícia Militar) em Maceió - Carlos Madeiro/Colaboração para o UOL - Carlos Madeiro/Colaboração para o UOL
O tenente-coronel Carlos Azevedo, diretor do colégio
Imagem: Carlos Madeiro/Colaboração para o UOL

Xerife na turma

Cada turma tem um xerife, que fica responsável pela sala por uma semana. "Ele é o chefe da turma, faz a conferência de quem está presente, é responsável pela limpeza da sala e pela condução da turma" , conta Azevedo. Por exemplo: terminou a aula, ele põe em forma, vai marchando até a porta, se apresenta e é liberado".

A escola é toda monitorada, e as imagens ficam disponíveis em tempo sala real na sala do diretor colégio. "Só quando tem uma ocorrência que a gente vai olhar. Às vezes, claro, viro e olho como estão as salas, mas o professor é quem tem o controle das salas, não é pelas câmeras", garante.

O professor de educação física Lucas Barbosa de Moura está na escola desde 2018 e conta que o diferencial do colégio é o apoio dado pelos militares, que mantêm os alunos sempre em disciplina exemplar. "A gente aqui não perde tempo com uma indisciplina, e a gente ganha tempo de aula", diz.

"Na rede pública, a gente perde muito tempo dando lição de moral, corrigindo erros. Aqui, não. Se há algum caso, passo um relatório, e é um militar que chama o pai e resolve direto. Há um respeito maior", conta.

Concorrência alta

Existe uma grande disputa para entrar no colégio. Tanto na unidade de Maceió quanto para entrar na unidade Arapiraca —a cerca de 130 quilômetros da capital—, a concorrência é grande: 1.210 inscritos para 210 vagas nas duas unidades em 2020.

A escola em Maceió tem algumas das melhores notas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) entre as escolas da rede estadual.

Criada há 23 anos, o colégio inicialmente tinha vagas para filhos de militares. Hoje não é mais assim: 70% das novas vagas são para alunos de escola pública. "Nosso critério é a meritocracia, abrimos o colégio para a comunidade. Militar não tem vantagem nenhuma, embora defenda que, já que há cotas, um terço das vagas fosse para filhos de profissionais da segurança", diz Azevedo.

O bom ensino do colégio faz com que pais que morem no interior façam seus filhos viajarem todos os dias. Na unidade de Arapiraca, há alunos de 18 cidades diferentes do agreste e sertão alagoano.

A pequena Marylia, 11, passou no concurso no ano passado e começou ontem a caminhada na escola, no 6º ano. Ela vem diariamente de Atalaia (a 43 quilômetros do colégio de Maceió). "Pago R$ 550 por mês pelo transporte. Se for colocar na ponta do lápis, preço de mensalidade, material, daria a mesma coisa se estudasse lá. E aqui o ensino é melhor, é educação diferenciada", conta o analista de planejamento Genival Aureliano FIlho, 38, pai da menina.

O filho da recepcionista Rafaela dos Santos começou o 7º ano e se diz satisfeita com o desempenho de João Victor, 12. "Aqui é excelente, o regime [militar] é ótimo, educa muito, não só as disciplinas, mas para ser um adulto melhor. Meu filho aprendeu muito no ano passado", diz.

Bolsonaro volta a criticar governadores do Nordeste

Band Notí­cias