País vive epidemia de ignorância, diz presidente da academia de letras
O presidente da ABL (Academia Brasileira de Letras), Marco Lucchesi, classificou como "absurdo" o memorando da Secretaria de Estado da Educação de Rondônia com uma lista de 43 obras clássicas da literatura brasileira e mundial a serem recolhidas de escolas, supostamente por terem conteúdos inadequados para crianças e adolescentes.
Entre os livros estão "Macunaíma", de Mário de Andrade, e "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis, além de títulos de Rubem Fonseca, Carlos Heitor Cony e Franz Kafka, entre outros.
"A ABL e eu mesmo, como escritor, repudiamos, rechaçamos qualquer possibilidade de, em pleno século 21, restabelecer um índice de livros proibidos. Isso fere a Constituição de 1988. Na Constituição, está contemplado o direito de livre manifestação e de liberdade artística", apontou em entrevista hoje ao UOL.
Durante a manhã, a Academia soltou uma nota oficial, em que manifestou publicamente o repúdio ao que chamou de censura. "ABL não admite o ódio à cultura, o preconceito, o autoritarismo e a autossuficiência que embasam a censura", diz a publicação.
Escritor e professor há 30 anos de literatura comparada na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Lucchesi disse acreditar que a decisão reflete a onda de ódio aos intelectuais e o desprezo pela cultura que vive o Brasil.
Rondônia tem como governador o coronel Marcos Rocha, do PSL, que pode acompanhar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em sua nova sigla, o Aliança.
O presidente e seus aliados, especialmente os da ala ideológica, defendem que há doutrinação de esquerda nas escolas e pedem mudanças nos conteúdos didáticos. No início deste ano, Bolsonaro disse que os livros didáticos são um amontoado de ?muita coisa escrita" e prometeu "suavizar" o conteúdo.
Para Lucchesi, o argumento de Rondônia de conteúdos inadequados para crianças e adolescentes não se sustenta e dá um exemplo do perigo da censura.
"Aqui não é o presidente da ABL, mas o Marco escritor. Se fôssemos seguir pelo raciocínio do absurdo, teríamos que imediatamente censurar a Bíblia ou cortar partes, pois há o incesto de Ló, um Jesus Cristo comunista que vai distribuindo riquezas entre os pobres. Seria deplorável que tivesse um pensamento assim", explica com a analogia.
O professor afirma que as obras literárias são essenciais para promover o debate de ideias e entender o país. Ele defende que os líderes políticos precisam compreender que a escola é um espaço de conflito positivo e múltiplas visões, por isso, não é possível cercear e partir para a censura.
O escritor disse esperar que a sociedade reaja diante de fatos como o da Secretaria de Estado da Educação de Rondônia, com resposta das universidades, dos intelectuais, do Judiciário e de todos os cidadãos que se importam com a cidadania e a liberdade.
"Eu trabalhei com Nise da Silveira (psiquiatra), entendo o que significa um manicômio e tenho muito respeito pelos que vivem e sofrem a situação dolorosa do psiquismo, mas neste caso é outra doença, a epidemia se chama ignorância e barbárie", declarou ao UOL.
Secretaria recua
Diante da repercussão negativa da notícia do recolhimento dos livros, divulgado inicialmente pelo jornal Folha de S. Paulo, a Secretaria de Estado da Educação de Rondônia recuou e divulgou, em nota, que "reconhece que os livros são obras de autores consagrados mundialmente e cumprem um papel importante para uma construção social".
Segundo a Secretaria de Estado da Educação, a equipe técnica da pasta iniciou a análise sobre conteúdos inapropriados em livros didáticos após receber uma denúncia. Porém, constatou que os títulos citados eram clássicos, muitos deles usados em vestibulares. Por isso, o processo de análise técnica foi encerrado imediatamente, sem supostamente qualquer ordem de tramitação para outros órgãos.
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