Dificuldade de aldeia em acesso a médicos inspira índio a cursar Medicina
Resumo da notícia
- João Emanuel pretende voltar para sua aldeia em PE após curso no DF
- Ele ficou em primeiro lugar entre os cotistas de Medicina na UnB
Aos 17 anos, João Emanuel será o segundo filho do cacique Ary Pankará a cursar Medicina na UnB (Universidade de Brasília). Recém-aprovado no vestibular destinado a cotistas em primeiro lugar, ele vai representar um povo que vive no seco sertão de Pernambuco, para onde pretende voltar quando se formar para retribuir a oportunidade.
"A gente vê a dificuldade lá de acesso a médicos. Isso me motivou a estudar", diz o jovem. "O povo da aldeia às vezes precisa ir para o Recife, demora mais de um mês para fazer um exame de rotina. E com uma pessoa formada lá, especializada na área, fica mais fácil para nosso povo."
A escolha por Brasília veio por conta do irmão, Ary Filho, que cursa o 3º ano Medicina na mesma instituição.
Ao todo, 178 indígenas se inscreveram para as quatro vagas de medicina na UnB. Apesar da grande concorrência, ele conta que estava confiante na aprovação, mas admite que a primeira colocação não era algo que pensava. "A gente estuda para passar, independente da colocação. Para mim, é um orgulho representar meu povo", diz.
João nasceu, se criou e estudou todo ensino fundamental na aldeia Laje, na Serra do Arapuá, município de Carnaubeira da Penha. A partir do 1º ano do ensino médio, seus pais o mandaram para o Recife estudar no colégio Liceu Nóbrega. Foi lá que, no ano passado, concluiu o 3º ano e prestou o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).
Na capital federal, Emanuel sabe que vai enfrentar questionamentos por causa de suas origens. "Sei dos desafios que enfrentamos. Independentemente de onde esteja, nosso modo de pensar, nossos conceitos, nossos costumes não vão mudar", diz, citando que seguirá sendo um militante da causa indigenista na capital federal. "Claro que vou lutar por nossos direitos, pelas causas indígenas, e lutar contra o preconceito."
Sucesso de jovens alegra cacique
O pai do jovem, cacique da tribo, não esconde a euforia e elogia o filho. "Ele sempre foi muito dedicado, desde pequeno. É uma felicidade que não dá para explicar", conta ele, que está em Brasília acompanhando o filho na inscrição para o curso.
Ary é cacique do povo Pankará e um dos líderes da Apoinme (Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo). Ele conta que sempre foi um defensor das cotas indígenas para que jovens de tribos possam estudar em grandes universidades públicas.
"Lutamos há 20 anos, e hoje a gente se sente contemplado ao ver tantos jovens acessando a universidade. Para mim, ter os três filhos na universidade, é uma alegria tamanha. Você não imagina a satisfação" conta, lembrando de seu terceiro filho, que cursa Farmácia em uma universidade privada no Recife, com bolsa do Prouni (Programa Universidade Para Todos).
Para ele, a aprovação de um índio do sertão de Pernambuco em 1º lugar deve servir de inspiração. "Nesse momento em que vivemos com toda essa perseguição, esse exemplo serve também como gás para resistência e de incentivo a outros jovens. Seguimos em uma luta", diz.
A maior alegria como pai, diz, é o desejo do filho em retornar à tribo após se formar.
A gente sonha com isso, conversa com ele todos os dias dizendo que não pode esquecer do nosso povo, onde começou tudo, onde temos nossos ancestrais da terra que nos dão força e orienta. Isso está no sangue, no coração
Ary Pankará, cacique e pai de João Emanuel
O povo Pankará está dividido em três municípios, com pouco mais de 1.100 famílias em Itacuruba, Floresta e Carnaubeira da Penha. "Graças às cotas, nos últimos anos nossos nossos jovens têm saído para vários cursos, como medicina, direito, vários tipos de engenharia. Eles estão em estados como Tocantins, São Paulo, Paraná, Bahia. Isso é muito gratificante", finaliza Ary.
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