Após crise no Enem, governo deve ter nova derrota com ID Estudantil
Resumo da notícia
- MP que cria carteirinha estudantil digital foi assinada em setembro do ano passado
- Para valer, texto deve ser aprovado pelo Legislativo em 120 dias
- No Congresso, pauta não foi nem discutida entre os parlamentares
- Para deputados, aprovação do tema agora é improvável
A turbulência que atingiu o MEC (Ministério da Educação) após os erros na correção do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) agravou a falta de comunicação entre o Congresso e a pasta. Para parlamentares ouvidos pelo UOL, um dos reflexos iniciais do desalinhamento entre governo e Legislativo deve ser a queda da MP (Medida Provisória) da ID Estudantil, prestes a perder a validade.
Assinada em setembro do ano passado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a MP da ID Estudantil abriu portas para a emissão de carteirinhas estudantis digitais pelo governo. A medida aconteceu em ofensiva contra entidades estudantis como a UNE (União Nacional dos Estudantes), que têm a expedição do documento como uma de suas principais fontes de renda.
O aplicativo do governo para a emissão das carteirinhas digitais foi lançado em novembro. Mas, desde que a MP foi publicada, não houve nenhuma movimentação para tornar definitiva a nova lei —MPs têm de ser aprovadas por maioria simples na Câmara e no Senado em até 120 dias, ou perdem validade.
No caso da MP da carteirinha digital, a norma vale até o dia 16 de fevereiro, que é um domingo. O texto, portanto, deve ser votado até a sexta-feira anterior ou no fim de semana —o que não é comum. Tradicionalmente, os trabalhos no Congresso acontecem até as quintas-feiras.
Parlamentares afirmam que, agora, a possibilidade de aprovação desta MP é praticamente nula, já que a pauta não chegou a ser discutida no Congresso nem nas comissões especializadas. Os parlamentares retomaram ontem as atividades legislativas.
"Não houve nenhuma movimentação do governo para aprovar [o texto]. A gente não discutiu nada sobre isso. Não há diálogo entre o ministério da Educação e o Congresso. Quando veio aqui, ele [Weintraub] gritou, se descontrolou", diz o deputado Idilvan Alencar (PDT), da Frente Parlamentar Mista da Educação. Para ele, a permanência do ministro na pasta se tornou "inviável".
"Desastre"
A rusga entre os parlamentares e o MEC se tornou mais crítica após o presidente da Câmara, deputado federal Rodrigo Maia (DEM), afirmar que Weintraub é um "desastre" e que "ele brinca com com o futuro de milhões de crianças do Brasil".
Para o deputado Israel Batista (PV), secretário da frente parlamentar, Weintraub "implodiu as pontes de comunicação com o Congresso".
"Os deputados têm uma percepção negativa do ministro, mesmo os que pertencem a partidos alinhados ao governo. Ele é um mero polemista", afirma. Ele diz que a Câmara tem percepção de que as pautas do governo são sempre carregadas de "vingança" e "retaliação".
Iago Montalvão, presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes), diz que a entidade dialogou com parlamentares para defender que, por não haver urgência ou relevância sobre o assunto, o envio da MP pelo governo seria ilegal.
"Tivemos um retorno de muitos deputados no sentido de que a forma era equivocada —isso para não falar do conteúdo", afirma.
Ele diz que a UNE tem duas preocupações centrais sobre o projeto: o fato de que ele atinge diretamente a autonomia financeira da entidade e o uso dos dados fornecidos pelos estudantes que optarem pela carteirinha emitida pelo governo.
Procurado pelo UOL, o MEC informou que não irá se manifestar sobre o tema.
Dados dos estudantes
A ID Estudantil foi anunciada em evento com o ministro Onyx Lorenzoni — hoje em situação delicada no governo. À época, Bolsonaro fez críticas a Fernando Haddad (PT), ex-ministro e candidato derrotado nas eleições de 2018, e ironizou a UNE e a Ubes dizendo que o governo está poupando a população do trabalho de "uma minoria que representa os estudantes".
"Não teremos mais minoria para impor certas coisas em troca de carteirinha. A liberdade estudantil é muito bem-vinda", afirmou Bolsonaro.
Inicialmente, a ideia do ID Estudantil para estudantes da educação básica e superior possuía verniz de inclusão e democratização do acesso ao documento. A emissão seria feita via um aplicativo de celular. Depois, dizem os deputados ouvidos pela reportagem, houve discussões no Parlamento sobre a intenção do governo de ter acesso a dados dos estudantes.
Para Alencar, este objetivo implícito acabou maculando toda a proposta. "Descentralizar e facilitar o acesso aos estudantes é uma boa ideia, mas esse governo namora a ditadura, o autoritarismo. Em geral, é uma pauta que não concordo, principalmente por esse acesso às informações dos estudantes", diz.
"O governo exige que, para ter a carteirinha digital, os estudantes devem concordar em ceder os dados a um sistema, que eles dizem ser com objetivos de políticas públicas, mas pode ser de qualquer coisa", afirma Montalvão, da UNE.
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