Topo

Nada foi de graça, tenho dívida de 8 anos do Fies, diz filho de porteiro

Douglas, filho de porteiro, durante formatura do seu curso de Sistemas da Informação. Ele precisou se inscrever no Fies para concluir os estudos Imagem: Arquivo pessoal

Ana Paula Bimbati

Do UOL, em São Paulo

01/05/2021 04h00

Desde o início do ano, o desenvolvedor Douglas de Souza, de 23 anos, separa do seu salário R$ 342 para pagar a parcela do Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior). Ele, filho de porteiro e que não zerou no vestibular, encontrou no programa uma forma de seguir o curso de Sistema da Informação.

Ele contou ter ficado "chateado" essa semana com a fala do ministro da Economia. Paulo Guedes, durante uma reunião do Conselho de Saúde Suplementar, disse que o governo deu bolsas no ensino superior para "todo mundo" e que o filho do seu porteiro foi beneficiado pelo Fies mesmo após zerar o vestibular. As informações foram reveladas pelo jornal O Estado de S. Paulo.

"O porteiro do meu prédio, uma vez, virou para mim e falou assim: 'Seu Paulo, eu estou muito preocupado'. O que houve? 'Meu filho passou na universidade privada'. Ué, mas está triste por quê? 'Ele tirou zero na prova. Tirou zero em todas as provas e eu recebi um negócio dizendo: parabéns, seu filho tirou...' Aí tinha um espaço para preencher, colocava 'zero'. Seu filho tirou zero. E acaba de se endereçar a nossa escola, estamos muito felizes",
Paulo Guedes, ministro da Economia

A reportagem pediu para o MEC (Ministério da Educação) informações sobre o perfil do estudante que aderiu ao Fies ao longo dos anos, mas não teve resposta.

O Fies é um programa de financiamento do governo federal. Para conseguir o parcelamento, os estudantes precisam obter uma média igual ou superior a 450 pontos e não ter zerado na redação, além dos critérios de renda mensal. Em 2014, o programa bateu o recorde de beneficiados, 732 mil.

Douglas disse que quando leu a primeira vez a fala do ministro não "caiu a ficha". Depois, quando releu, entendeu. "Eu sou uma das pessoas que ele estava se referindo e fiquei chateado, porque dá a impressão que me aproveitei, não me esforcei. Sendo que nada foi de graça, tenho uma dívida de oito anos com o Fies", apontou.

O desenvolvedor disse que ele e sua família chegaram a tentar pagar a mensalidade da Universidade do Contestado, mas isso só foi possível no primeiro semestre. "Quando a gente viu que não ia mais dar, fiz a inscrição e consegui financiar 80% da mensalidade", conta. Durante a graduação, Douglas ainda precisou arcar com R$ 200 reais de mensalidade.

A conclusão do curso foi motivo de muita alegria, já que os pais completaram apenas a Educação Básica. "Foi uma alegria muito grande e deles saberem que tenho a oportunidade de conseguir uma condição de vida melhor do que eles tiveram", relembra. "E acho que esse é o problema do Guedes. O problema dele não é com a pobreza e sim com o pobre", disse.

O ministro da Economia disse ainda que até quem não tinha "a menor capacidade" e "não sabia ler, nem escrever" conseguiu entrar na universidade pelo Fies. O UOL pediu um novo posicionamento, mas a pasta disse que não iria comentar.

'Precisa agradecer quem contribui com a economia'

Quem também não gostou da fala do ministro foi a bancária Tatiana Oliveira, 26, também filha de porteiro e empregada doméstica. Ela cursou administração pelo Mackenzie e o financiamento a ajudou concluir o ensino superior. "Só acho que ele [Guedes] precisa agradecer e respeitar o filho do porteiro que entrou na faculdade e contribui para economia", disse.

Tatiana Oliveira é filha de porteiro e de empregada doméstica. Ela só conseguiu concluir o curso de administração usando o Fies Imagem: Arquivo pessoal

A bancária conta que passou na primeira lista do vestibular, mas não conseguiu arcar com os gastos. Então, mesmo a família não gostando de parcelamentos, ela disse que precisou financiar 75% da mensalidade. Com um novo estágio e depois um emprego, ela diminuiu a porcentagem do financiamento e concluiu a faculdade com 50% pelo Fies.

"Nós [filhos de porteiros] somos os bancários, advogados, psicólogos, profissionais da saúde, as pessoas que estão mantendo a economia circulando, mesmo que ela esteja respirando por aparelhos. Nós pagamos nossos impostos", disse.

Hoje, Tatiana avalia que a dificuldade não era passar no vestibular da universidade que tinha interesse, mas sim como iria arcar com os custos. "Nunca esqueço do preço da mensalidade. Porque eu pegava o contracheque do meu pai e via que ele ganhava 10 centavos a mais do que o valor da faculdade", conclui.

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Nada foi de graça, tenho dívida de 8 anos do Fies, diz filho de porteiro - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade


Educação