Famílias negras têm 63% mais medo de filho desistir da escola que brancas
Famílias de alunos negros têm 63% mais risco de ter medo da evasão escolar de seus filhos do que pais de estudantes brancos, aponta uma análise feita pelo Plano CDE, empresa especializada em pesquisas.
A análise foi feita usando as quatro edições da pesquisa "Educação não presencial na perspectiva das famílias", a pedido do Itaú Social, da Fundação Lemann e do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Foram ouvidas mais de 1.200 pessoas pelo país em cada etapa.
Em maio do ano passado, o medo da desistência de alunos negros nas suas famílias era de 35%. O número subiu para 43% no final de setembro. Entre os pais de estudantes brancos, não chegou a 40%.
Segundo Angela Dannemann, superintendente do Itaú Social, historicamente já existe uma "necessidade" na realidade de alunos negros em ajudar na renda familiar. "Com a alta taxa de desemprego e o desinteresse no ensino médio, esses jovens não veem na escola uma perspectiva de melhoria de vida", explica.
A pandemia da covid-19 ampliou esse desafio, fazendo com que muitos jovens enxergassem a escola, de acordo com Angela, de forma "desassociada do processo de melhoria da vida".
Como podemos resolver essa questão? Atuando de maneira afirmativa. Se as periferias de grandes cidades e as regiões mais distantes são as que têm mais alunos negros, temos que ter um esforço maior de trabalhar com educação. Colocar os melhores professores nesses locais, por exemplo."
Angela Dannemann, superintendente do Itaú Social
Quando o recorte também inclui a condição social, o cenário fica ainda pior: entre os alunos negros de famílias com renda de até dois salários mínimos, o medo de desistência chegou a 50%.
Para Daniel de Bonis, diretor de políticas educacionais da Fundação Lemann, é necessário manter o envolvimento da família nos estudos para evitar a evasão escolar desse grupo de alunos. "Os pais passaram a valorizar mais esse processo educacional durante a pandemia e esse engajamento é importante continuar", diz.
A análise das organizações é que os estudantes negros foram os mais prejudicados ao longo da pandemia em seus processos de aprendizagem.
O reflexo da desigualdade racial
O acesso à internet e a possibilidade de frequentar uma escola com aula presencial também reforçaram as desigualdades raciais e econômicas vivenciadas por alunos brasileiros. Segundo a pesquisa, a conectividade chegou a 75% dos estudantes brancos, enquanto entre os negros o número ficou em 62%.
"Em geral, um estudante branco ainda tem 21% a mais de chance que um estudante negro de estar em um lar conectado à internet banda larga", diz o estudo.
Bonis explica que os dados mostram o "aprofundamento" das desigualdades educacionais. "A mensagem é dura, porque mostra que o impacto foi mais intenso para alunos negros", afirma.
A análise também apontou que um estudante branco de renda familiar maior que dois salários mínimo tem quatro vezes mais chance de ter um computador com internet do que um aluno negro e pobre.
O desafio de internet foi um tópico discutido ao longo da pandemia e o MEC (Ministério da Educação) recebeu diversas críticas. Durante uma das audiências na Comissão de Educação na Câmara dos Deputados, o ministro Milton Ribeiro chegou a dizer que "despejar dinheiro não é política pública", justificando que o PL 3477, que autoriza o repasse de mais de R$ 3 bilhões, não trouxe clareza nem diagnóstico dos gastos.
O prejuízo é grande, mas não é irreversível. Existem muitas experiências e projetos que deram certo, temos que confiar nisso. O que não pode é correr o risco de passar uma mensagem de que o aprendizado se perdeu. Se tivermos um aprendizado intensivo nos próximos meses e anos, os direitos de aprendizagem podem ser garantidos."
Daniel de Bonis, diretor de políticas educacionais na Fundação Lemann
A reabertura das escolas também atinge mais os alunos brancos e ricos, que têm 57% mais chance de ter sua escola reaberta do um estudante negro de baixa renda.
Angela critica a falta de coordenação do MEC para resolver os problemas ao longo da pandemia e diz que não tem "esperanças" de uma probabilidade de melhora. "O que estamos vendo é um esvaziamento de políticas importantes no âmbito da educação."
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