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Catarina 2ª: Quem foi a czarina que anexou a Crimeia ao império russo

Catarina 2ª foi czarina da Rússia entre 1762 e 1796 - Reprodução
Catarina 2ª foi czarina da Rússia entre 1762 e 1796 Imagem: Reprodução

Juliana Arreguy

Do UOL, em São Paulo

13/03/2022 04h00

Mais de duzentos anos após a morte da czarina Catarina 2ª, a Rússia trava uma guerra contra a Ucrânia alegando proteger territórios que a imperatriz havia anexado durante seu reinado. Ao longo dos 34 anos de reinado (1762-1796), a monarca — conhecida como Catarina, a Grande — foi responsável pela vasta expansão do império russo.

Catarina (1729-1796) não nasceu na Rússia. Sequer se chamava Catarina, mas sim Sophie de Zerbst-Anhalt. De origem prussiana (numa área onde hoje fica a Polônia) e de religião luterana, converteu-se à Igreja Ortodoxa Russa e adotou o nome de Catarina aos 14 anos, quando mudou-se para a corte russa sob a promessa de se casar com o herdeiro do império, Pedro 3º.

O noivo era um primo distante: o trisavô dele pelo lado paterno era bisavô dela por parte de mãe. Os dois se casaram quando ela tinha 16 anos.

Biógrafos relatam que mesmo de ascendência real, Catarina se preocupava que o título de imperatriz, quando viesse, poderia ser contestado por ser estrangeira. Por isso, dizem, se empenhou em abraçar todos os costumes e a aprender a falar russo fluentemente.

A preocupação em exaltar a cultura russa foi apontada como um fator que lhe rendeu muitos aliados na corte, algo que a ajudou a ser coroada. Quando a imperatriz Elizabeth morreu, em 1762, Pedro 3º assumiu o trono. Seis meses depois, foi deposto e assassinado.

Catarina, então imperatriz consorte, virou a imperatriz de fato; ela teve participação ativa no golpe, embora não exista nenhum registro histórico que comprove sua atuação na morte do marido.

A czarina teve muitos amantes, mas um dos mais influentes — e que teve papel crucial na expansão territorial russa — foi o tenente Gregório Potemkin, descrito por Simon Sebag Montefiore no livro "Os Románov" como o responsável por convencê-la a anexar a Crimeia e parte da Ucrânia.

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Gregório Potemkin, em pintura de Johann Baptist von Lampi, o Velho
Imagem: Reprodução

Cristianismo ortodoxo e sua origem na Crimeia

As populações que vivem hoje na Rússia, na Ucrânia e em Belarus compartilham de uma mesma origem, os povos eslavos do oriente. É por isso que, em meio ao atual conflito deflagrado pela Rússia na Ucrânia, as populações dos dois países são tratadas como povos irmãos.

Montefiore explica que, para a dinastia Románov — da qual Catarina fazia parte —, o império russo era tratado como "todas as Rússias", com as seguintes denominações:

  • Grande Rússia - região de Moscou
  • Rússia Branca - Belarus
  • Pequena Rússia - parte da Ucrânia
  • Rússia Vermelha - Galícia (área onde hoje fica o oeste da Ucrânia e o sul da Polônia)
  • Nova Rússia - regiões da Crimeia e sul da Ucrânia

A população da Nova Rússia não compartilhava da mesma origem de outras regiões do império; ali, os povos descendiam dos tártaros, de origem turca. Mas há dois aspectos que tornavam a área importante para os russos.

O primeiro deles era o simbolismo cristão do local. Em uma troca de cartas entre Catarina e Potemkin, em 1783, o tenente observou que a região da Crimeia era o local onde Vladimir 1º, o Grande, se converteu ao cristianismo em 988. Vladimir foi um dos maiores responsáveis por difundir o cristianismo ortodoxo no leste europeu.

"Imagine a Crimeia sendo nossa", diz trecho da carta escrita por Potemkin, retirada do livro de Montefiore.

Esse feito representará sua glória imortal, maior que a de qualquer soberano russo. A Crimeia garante o domínio do mar Negro."
Trecho de carta de Gregório Potemkin a Catarina 2ª, retirada do livro "Os Romanóv", de Simon Sebag Montefiore

A anexação da Crimeia foi consolidada em 21 de julho de 1774 após uma guerra entre os impérios russo e otomano. Em um diário de memórias, também citado em "Os Romanóv", Catarina celebrou o acesso ao Mar Negro: "Acho que hoje é o dia mais feliz da minha vida".

O outro aspecto simbólico que envolvia a área foi o motivo que levou a Rússia, quase dois séculos depois, a abrir mão da Crimeia e pavimentar parte do caminho que levou à guerra atual.

Territórios anexados por Catarina 2ª da Rússia - Arte/ UOL - Arte/ UOL
Imagem: Arte/ UOL

Ucrânia e o juramento de lealdade ao czar russo

Em 1654, um século antes da ascensão de Catarina, o líder da Ucrânia, Bogdan Khmelnitsky, se revoltou contra o domínio polonês na região e fez um juramento de lealdade ao czar russo Aleixo 1º em troca de proteção.

No aniversário de 300 anos deste juramento, em 1954, o líder da União Soviética, Nikita Khrushchev, cedeu a Crimeia para a República Soviética da Ucrânia. A decisão partiu de seu antecessor, Joseph Stalin, que já havia ampliado o território russo com uma parte da atual república ucraniana que, à época, foi retirada da Polônia.

Ninguém previa que a União Soviética se dissolveria e que a Ucrânia se tornaria um país independente, separando a Crimeia da Rússia."
Simon Sebag Montefiore em "Os Románov"

E Catarina?

A conquista de territórios importantes levou historiadores a tratar o reinado de Catarina como "a era de ouro" russa. A história da imperatriz, que regeu sozinha o império, inspirou a série The Great, da HBO, e foi difundida entre livros e filmes — ainda que muitos casos sejam apontados como fantasiosos pelos historiadores.

catarina - Reprodução - Reprodução
Catarina 2ª, czarina da Rússia
Imagem: Reprodução

Em "Catarina, a Grande, & Potemkin", Montefiore escreve que, longe de ser uma ninfomaníaca, a czarina era, na verdade, uma mulher independente, bem resolvida sexualmente e monogâmica nas suas relações —independentemente de quantas fossem.

No entanto, é verdadeiro que seus amantes foram privilegiados na corte russa, recebendo títulos e até salários após os términos, permanecendo como seus conselheiros e ocupando cargos de destaque, como o próprio Potemkin.

O tenente foi quem fundou as cidades de Mykolaiv e Mariupol, ambas atacadas recentemente pela Rússia na invasão à Ucrânia. Mariupol, inclusive, é um ponto estratégico por ser um município portuário e distante apenas 55 km da fronteira russa.

O fim do reinado de Catarina ocorreu em 1796, quando, aos 67 anos, ela sofreu um derrame. Biógrafos e historiadores desmentem que ela teria falecido enquanto fazia sexo com um cavalo, história criada, indicam, como campanha de difamação por seu sucessor, Paulo 1º.

Nas palavras de Montefiore, a czarina morreu enquanto cumpria sua rigorosa rotina matinal, executando tarefas diárias com a independência que tanto prezava.

"No dia 5 de novembro de 1796, Catarina acordou às seis da manhã, preparou o próprio café, como de hábito, e começou a escrever. Quando foi ao toalete, sofreu um derrame e caiu no chão."