Topo

Esse conteúdo é antigo

Pastor ligado ao MEC investiu R$ 100 mil para abrir faculdade, diz jornal

Pastor Gilmar Santos acumula mais de 150 mil seguidores em suas redes sociais - Reprodução/Redes sociais
Pastor Gilmar Santos acumula mais de 150 mil seguidores em suas redes sociais Imagem: Reprodução/Redes sociais

Do UOL, em São Paulo

24/03/2022 10h49Atualizada em 24/03/2022 11h05

O pastor Gilmar Santos, acusado de negociar verbas do MEC (Ministério da Educação) para prefeitos em suposta prática de lobby, investiu R$ 100 mil para criar uma faculdade, segundo reportagem publicada pelo jornal O Globo. O início dos trâmites para a abertura da instituição, de acordo com a publicação, começou há duas semanas.

A faculdade, que recebeu o nome "Faculdade ITCT" (sigla para "Instituto Teológico Cristo para Todos"), foi aberta no dia 8 de março na Junta Comercial de Goiás.

O líder religioso está no centro de uma crise envolvendo o MEC por ser apontado como lobista na pasta para ajudar prefeitos de várias regiões do país a conseguir liberação de recursos públicos.

Segundo áudio divulgado na segunda-feira (21) pela Folha de S.Paulo, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, diz que houve um "pedido especial" do presidente Jair Bolsonaro (PL) para atender aos pleitos do pastor.

Na noite de ontem, Gilmar Santos negou qualquer poder sobre os órgãos técnicos do Ministério da Educação ou suposta participação em um "gabinete paralelo" da pasta. Segundo ele, as acusações de que teria atuado como lobista no ministério são inverídicas.

"Nego, peremptoriamente, a falácia de que pedi, recebi, mandei pedir, ou, de alguma forma, contribuí para o recebimento de propina, ou qualquer outro ato de corrupção junto ao Ministério da Educação, bem como ao atual ministro titular da pasta", afirmou.

Em seu perfil nas redes sociais, Santos se apresenta como diretor da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil e do ITCT.

A primeira publicação na página da faculdade é de junho de 2021 e, desde então, duas turmas já teriam sido abertas para o "Curso Básico em Teologia", com o valor mensal de R$ 69,90 e duração de um ano.

A entidade diz que é "reconhecida instituição teológica com tradição na formação de líderes". A inscrição nos cursos seria feita pelo site oficial do pastor.

Segundo documento da Junta Comercial de Goiás citado pelo jornal O Globo, o endereço da faculdade é o mesmo da igreja de Santos e de outras empresas em seu nome.

No seu site oficial, o pastor diz que o curso é direcionado a obreiros, líderes e outras pessoas. Além dele, outros quatro religiosos são apresentados como professores. Eles prometem apresentar conceitos, métodos, princípios e orientações básicas sobre o estudo da Bíblia.

"Procure nas nossas plataformas que você já pode a partir de agora fazer o seu curso. Eu quero ter o prazer de assinar o seu documento, o seu certificado da sua formação teológica. Eu estou oferecendo o que reuni durante 40 anos de ministério", afirma Santos.

Toda instituição de educação superior em atividade precisa ser registrada no Ministério da Educação, que exige informações sobre a formação e o currículo dos professores. O UOL entrou em contato com a pasta e aguarda retorno.

O ministro da Educação admitiu ter se encontrado com Santos e Arilton Moura, mas negou a existência de um "gabinete paralelo" e disse que não deixará o cargo. O chefe da pasta disse que pediu para CGU (Controladoria Geral da União) investigar a denúncia de propina no ministério.

O conteúdo do áudio

Na gravação divulgada pela Folha de S.Paulo, Ribeiro fala dos pastores evangélicos Gilmar Silva dos Santos e Arilton Moura Correia. "Foi um pedido especial que o Presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar", diz o ministro no áudio. Sem cargos, eles atuam em um esquema informal de obtenção de verbas do MEC (Ministério da Educação).

Na conversa, participaram prefeitos, os dois religiosos e lideranças do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). Na reunião, que aconteceu dentro do MEC, o ministro falou sobre o orçamento da pasta, cortes na educação, e ainda sobre a liberação de recursos para essas obras

"Porque a minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar", diz o ministro.

Para isso, porém, Milton Ribeiro fala em uma contrapartida: "então o apoio que a gente pede não é segredo, isso pode ser [inaudível] é apoio sobre construção das igrejas". Na gravação obtida pela Folha, porém, o ministro não detalha como isso seria feito.

De acordo com relatos feitos sob anonimato à Folha por gestores e assessores, os pastores negociam a liberação de recursos às prefeituras em restaurantes e hotéis de Brasília, e depois entram em contato com o ministro. O chefe do MEC, então, determina ao FNDE a oficialização do empenho, reservando o recurso.

Ainda conforme informações do jornal, políticos foram recebidos na casa de Milton Ribeiro fora da agenda oficial. O prefeito de Rosário (MA), Calvet Filho (PSC), gravou um vídeo com o ministro no apartamento dele em Brasília. À reportagem da Folha, ele disse que o encontro foi informal. Ele também negou ter negociado obras com os pastores, tendo conversado com eles apenas "para organizar pregações" na cidade.

No ano passado, em evento no MEC com os dois pastores, prefeitos conseguiram a liberação de recursos para novas obras. Um deles, da cidade de Anajatuba (MA), que tem 27 mil habitantes, conseguiu seis obras empenhadas. De acordo com a reportagem, a prefeitura sequer comprou os terrenos.

Segundo o prefeito do município Helder Aragão (MDB), ele se encontrou com o pastor Arilton em um hotel da capital federal, mas disse não ter amizade com ele: "Fui até um hotel em Brasília onde tinha vários prefeitos e ele falava que conseguia obra para o FNDE". Aragão garantiu, porém, que não negociou obras com os pastores nem com pessoas do MEC, e que os empenhos foram garantidos pelos meios corretos.

Quem são os religiosos

Gilmar dos Santos, que diz ter mais de 40 anos como pastor, é líder do Ministério Cristo para Todos, um ramo da Assembleia de Deus, com sede em Goiânia. O ministro Milton Ribeiro já pregou nesse templo, durante culto denominado Ceia Geral.

A igreja é de pequeno porte se comparada a outros braços da Assembleia de Deus com atuação nacional, mas está presente em Estados como Maranhão, Mato Grosso, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Santos também é presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros de Assembleias de Deus no Brasil Cristo para Todos.

Arilton Moura atua como assessor de Assuntos Políticos na entidade, mas, em registros oficiais do governo, ele aparece no cargo de secretário nacional.

Em 2020, Arilton passou um mês nomeado em cargo de confiança na Liderança do MDB na Câmara dos Deputados. Dois anos antes, ocupou o cargo de secretário extraordinário para Integração de Ações Comunitárias, no governo Simão Jatene (filiado na época ao PSDB), no Pará. E foi presidente estadual do antigo PHS, hoje Podemos, no Estado.

Quem abriu as portas do governo à dupla, segundo integrantes da bancada evangélica, foi o deputado João Campos, pastor da Assembleia de Deus Ministério Vila Nova, ligado à convenção de Madureira.