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EJA vira extensão do ensino médio para quem não consegue concluir escola

Segundo diretora, jovens têm procurado mais pela modalidade da EJA - Carlos Madeiro/UOL
Segundo diretora, jovens têm procurado mais pela modalidade da EJA Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Colunista do UOL, em Maceió e do UOL, em São Paulo

05/03/2023 04h00

Sem interesse nas aulas, Wesley Nascimento da Silva, 18, foi abandonando, aos poucos, os estudos ainda no ensino fundamental. Em 2019, depois de um "choque de realidade", decidiu retomar a escola e se matriculou em uma turma da EJA (Educação de Jovens e Adultos).

Matava muita aula, ia na onda dos amigos, uma bobagem. Hoje me arrependo, não sabia bem a importância disso futuramente. Tive um choque de realidade e decidi focar mais nos meus objetivos."
Wesley Nascimento da Silva, estudante

Cada vez mais, a EJA tem recebido jovens com situação parecida com a de Wesley. Segundo o Censo Escolar 2022, a média de idade dos alunos no ensino médio é de 24 anos; no fundamental II, 25.

Os dados também mostram uma transição de alunos do ensino regular para a EJA. De 2019 para 2020, por exemplo, cerca de 230 mil alunos saíram dos anos finais do ensino fundamental e outros 160 mil migraram do ensino médio para a etapa.

Segundo o MEC (Ministério da Educação), o movimento não é recente e um dos motivos seria a saída dos jovens para o mercado de trabalho com o objetivo de ajudar na renda familiar.

O órgão informou que a Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão) tem "buscado diálogo com outras secretarias para pensar ações coordenadas".

A professora da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo), Maria Clara Di Pietro, estuda a EJA há mais de 30 anos. Ela destaca que muitos jovens buscam a aceleração dos estudos ao se matricular na etapa e que é preciso pensar em estratégias para trabalhar a diversidade geracional nessas turmas.

A EJA não pode ser uma reprodução empobrecida da escola regular."
Maria Clara Di Pierro, professora da Faculdade de Educação da USP

Diretora escolar percebeu mudança do público

Sandra Mara Ferreira é diretora do Centro Educacional de Jovens e Adultos Paulo Freire, em Maceió (AL), desde 2019. Ela percebeu uma queda no número de alunos mais velhos, na instituição.

Wesley Nascimento da Silva, 18, está no penúltimo ano do ensino médio - Carlos Madeiro/UOL - Carlos Madeiro/UOL
Wesley Nascimento da Silva, 18, está no penúltimo ano do ensino médio
Imagem: Carlos Madeiro/UOL

"O perfil dominante no diurno é de adolescente que se atrasou na escola regular. Já os trabalhadores estudam à noite, quando o público é mais adulto", conta a diretora. Em sua escola, a aceleração de estudos é um atrativo —o ensino médio, que dura três anos no regular, pode ser concluído em um ano na EJA.

Thayná Vitória Lopes, 17, é uma das alunas do 8º ano no centro educacional. Ela ficou fora da sala de aula durante a pandemia e retomou os estudos recentemente. "Não queria ficar com histórico escolar incompleto e voltei. Pretendo fazer [ensino] fundamental aqui e o médio no regular", conta.

Sem investimento, EJA registra queda de matrículas

Desde 2018, o número de estudantes da etapa vem caindo —passou de 3,3 para 2,6 milhões, no ano passado, segundo dados do Censo Escolar. Durante o governo Bolsonaro (PL), a EJA deixou de ser uma prioridade, com a extinção da Secadi —que retornou, em janeiro deste ano, para o quadro do MEC.

"O financiamento é um dos fatores que pode estar associado à queda de matrículas na EJA, embora seja necessário aguardar a conclusão de estudos encomendados para melhor entender possíveis outros aspectos envolvidos", admite o MEC.

Para este ano, o orçamento para área é de R$ 40 milhões —em 2013 ultrapassava R$ 1 bilhão. A Secadi afirmou também que tem feito um diagnóstico para entender o atual cenário da EJA no país.

Você tem um desacerto de políticas públicas e uma naturalização dos altíssimos níveis de analfabetismo. Não existem incentivos para que as redes impulsionem as turmas da EJA, por exemplo. Tem escola que só abre turma com 40 anos alunos."
Maria Clara Di Pierro, professora da USP

Reportagem do UOL mostrou que a rede municipal de São Paulo só estava abrindo turmas com pelo menos 25 alunos. Na ocasião, a prefeitura se limitou a responder que as salas são abertas conforme demanda.

No Brasil, mais de 11 milhões de pessoas, com mais de 15 anos, não sabem ler nem escrever, segundo dados do IBGE.