Sem tablets e internet, professores criticam material 100% digital em SP

Enquanto o governo de São Paulo defende o uso de materiais 100% digitais para as turmas a partir do 6º ano, professores e diretores ouvidos pelo UOL reclamam que falta estrutura nas unidades de ensino da rede estadual.

O que aconteceu

Uma escola estadual em Guarulhos, na Grande São Paulo, tem 70 tablets e cerca de 50 notebooks para cerca de 1,1 mil alunos. Segundo funcionários ouvidos pela reportagem, a unidade sofre também com a manutenção.

O número de equipamentos só consegue atender ao mesmo tempo três salas de aula. "Durante a Prova Paulista, muitas crianças não sabiam nem mexer e ainda tinham dificuldades na leitura. Sem contar os alunos em situação de inclusão, que são esquecidos em tudo", diz o diretor.

A decisão de usar materiais 100% digitais foi anunciada pelo governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) ao mesmo tempo que o estado recusou aderir ao programa nacional de livros. Com isso, São Paulo abre mão de uma verba de R$ 120 milhões.

A mudança é alvo agora de investigação do MP-SP (Ministério Público de São Paulo), que cita um "potencial prejuízo" ao processo educacional.

O governo afirma que tem trabalhado para melhorar a infraestrutura das unidades estaduais. "Caso um aluno não consiga acesso por esses meios, as unidades escolares estão autorizadas a imprimir o material", diz a secretaria.

As escolas contam com mais de 900 mil equipamentos, entre tablets, notebooks e desktops, "garantindo uma média de 4 alunos por dispositivo", afirma a pasta.

No final de 2022 foi realizada a aquisição de quase 300 mil notebooks educacionais. Periodicamente é realizado levantamento de necessidades para planejar novas aquisições.
Secretaria da Educação do Estado de São Paulo

Professores usam internet própria e alunos não levam material para casa

Uma escola na capital paulista não tem internet e, para conseguir acessar os materiais digitais, os professores utilizam a internet do próprio celular. Também faltam equipamentos para os estudantes — são 185 tablets e menos de 100 computadores para mais de 1,5 mil alunos.

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O material não leva em consideração as turmas superlotadas. As salas de aula contam com uma TV de 32 polegadas, mas vários estudantes não enxergam.
Professor da rede estadual de SP

A diretora de outra unidade escolar localizada na capital paulista diz ter recebido 300 tablets e 70 notebooks para mais de 2 mil alunos. Em único período, a escola recebe 800 estudantes.

Além da falta de internet e equipamentos necessários na escola, os alunos enfrentam os mesmos problemas em casa. Sem material, eles não conseguem acessar os conteúdos em casa.

Muitos alunos não dispõem de equipamentos para acessar material exclusivamente digital. Essa inclusive é uma das preocupações do relatório de monitoramento global da educação 2023 da Unesco.
Ministério Público de São Paulo, em nota

Os profissionais questionam que a decisão dos livros 100% digitais ocorre na esteira de um contrato milionário da Multilaser — empresa em que Feder é acionista e já foi CEO.

A pasta diz que a licitação não têm relação com o anúncio e ressalta que o contrato foi assinado em 2022 — dez dias antes de Feder assumir a secretaria, mas ele já havia sido anunciado como novo secretário.

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O que dizem especialistas

Países que adotaram materiais digitais, como Singapura e Chile, escolheram um processo integrado. Não temos registro de países que interromperam o livro impresso de forma repentina.
Kátia Smole, diretora executiva do Instituto Reuna

Como os alunos que não têm internet ou equipamento em casa vão estudar? Em uma decisão como essa, os prejudicados são os alunos mais pobres, das regiões mais distantes. Os estudos recomendam projetos pilotos na hora de incluir tecnologia nas ações da escola.
Anna Helena Altenfelder, presidente do conselho do Cenpec

O que se propõe por meio da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo é a exclusão de um dos atores educacionais, uma ferramenta imprescindível ao processo educativo. As consequências serão drásticas e em curto prazo.
Associação Brasileira dos Autores de Livros Educativos

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