Alunos sofrem com calor em salas sem ar-condicionado e escola de lata em SP

O forte calor registrado no estado de São Paulo desde a semana passada tem prejudicado o desempenho de estudantes e professores da rede estadual de ensino. São 3,7 milhões de pessoas que passam quase cinco horas dentro de salas de aula sem ar-condicionado — e, muitas vezes, com ventiladores quebrados —, expostas a temperaturas que chegam a 40ºC.

Apenas 210 das 5,6 mil escolas da rede estadual (ou seja, 3,7%) têm sistema de refrigeração, segundo levantamento oficial do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) obtido pelo UOL.

Em Guarulhos, alunos de escolas de lata sofrem ainda mais para aprender. Na segunda cidade mais populosa de SP ainda existem 12 escolas construídas no chamado padrão Nakamura, no qual as paredes e as telhas são montadas por chapas de aço, o que torna o ambiente mais quente.

Calor é inimigo do aprendizado

Estudos mostram que temperaturas acima de 28ºC podem dificultar o raciocínio e a lógica, além de reduzir o bem-estar. Na Escola Estadual Jardim Maria Dirce 3, na periferia de Guarulhos, alunos usaram um aplicativo de celular para medir a temperatura por volta das 8h15 de ontem. Dentro da sala fazia 30,5ºC e fora, 26,9ºC.

Tela do celular de aluno da Escola Estadual Jardim Maria Dirce 3
Tela do celular de aluno da Escola Estadual Jardim Maria Dirce 3 Imagem: Reprodução

Professores são obrigados a mudar de local para a realização da aula. "Na terça [26] a turma do meu filho foi transferida para o pátio, onde estava menos calor. Na sala dele tem dois ventiladores, mas um estava quebrado", conta a professora Ana Camargo, 47 anos, que lecionou nesse mesmo colégio entre 2005 a 2012.

"Fui buscar meu filho mais cedo porque imaginei que ele estivesse 'cozinhando'", declara Ana Camargo. "As condições eram péssimas e seguem assim. As reformas feitas de lá para cá não resolveram os problemas de calor e de barulho."

Mãe de um adolescente autista de 13 anos, Ana relata ainda que o clima extremamente quente na escola desregula seu filho. "Ele fica muito mais irritado nesse calor. Tem crises mais frequentes, onde chega a se bater e a se jogar no chão. Todos ficam esgotados, mas ele sente mais ainda", explica.

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Aluna do oitavo ano do Ensino Fundamental, Eliz Martiniano Lima, de 13 anos, conta que todos os dias alguém passa mal na escola. "Na segunda, eu pedi para sair da sala um pouco entre a segunda e a terceira aula, perto das 15h. Estava um inferno o calor e até a água estava quente. As pessoas ficam com pressão baixa, dor de cabeça, enjoo", descreve.

Escolas de lata têm mais de 20 anos e eram para ser provisórias. Elas começaram a ser construídas no governo Mário Covas (PSDB), em 1998, para ampliar a oferta de vagas no ensino público. Na época, a promessa era de que as soluções seriam substituídas, o que não ocorreu em todos os casos.

Governo Tarcísio diz que Doria não investiu

A Secretaria de Estado da Educação informou ter viabilizado R$ 70 milhões para a compra de equipamentos de ar-condicionado para as escolas da rede, sendo que R$ 50 milhões foram liberados para 210 unidades de ensino.

A pasta ressalta que não houve repasse de recursos para este programa em anos anteriores. Em 2021, a gestão João Doria prometeu instalar aparelhos de climatização em todas as salas de aula até o final de 2022, porém não cumpriu, justifica.

Procurado, o governo Doria afirmou que foram as gestões Rodrigo Garcia (PSDB) e Tarcísio que não deram seguimento ao programa. "No final de 2021, a secretaria de educação definiu como prioridade a climatização das escolas, de forma faseada. Na primeira etapa, a meta era climatizar cerca de 2,2 mil escolas, iniciando-se pelas escolas localizadas em regiões mais quentes no estado, por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola Paulista (PDDE-Paulista), que foi drasticamente minimizado, com repasses de recursos muito inferiores, pelas gestões posteriores", destacou a assessoria do ex-secretário Rossieli Soares.

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O governo Tarcísio destacou que, antes da instalação dos equipamentos, as escolas precisam passar por uma readequação nas respectivas redes elétricas. "Esse trabalho é realizado pela Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), que já contemplou cerca de 400 escolas. Outras 80 estão com obras em andamento."

Ambiente insalubre nas escolas de lata

As condições termo-acústicas dos prédios de lata de Guarulhos justificam as reclamações de pais e alunos, conforme laudo produzido pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em junho de 2022. A entidade ressalta que as escolas já foram reformadas desde sua inauguração, mas que não foram feitas quaisquer intervenções nas paredes internas, nos pisos entre andares e nas janelas para melhora do conforto térmico.

Complementarmente, destaca-se que, nas vistorias realizadas, verificou-se que as condições de ventilação natural estão piores do que as encontradas em trabalhos anteriores devido à instalação de grades, por exemplo, que prejudicam a abertura das janelas.
Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT)

O funcionamento dos prédios é alvo do Ministério Público de São Paulo, que já havia solicitado estudos nos anos de 2006 e 2007. Desta vez, o pedido teve como base um inquérito civil instaurado para apurar eventuais irregularidades na E.E. Jardim Maria Dirce 3, na periferia de Guarulhos. No laudo relativo à unidade, os técnicos afirmam ter identificado ainda a existência de vidros fixos na janela, o que prejudica a ventilação natural e, consequentemente, a "salubridade dos ambientes".

Em 1º de setembro, o secretário executivo da secretaria, Vinícius Mendonça Neiva, informou à Promotoria da Infância e Juventude de Guarulhos que a E.E. Jardim Maria Dirce 3 e outras quatro escolas de lata da cidade serão contempladas com obras emergenciais já em fase de licitação. O prazo para início das obras é de 120 dias. Pais de alunos, no entanto, pleiteiam a troca do prédio.

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Governo Tarcísio diz que há 65 escolas de lata no estado. "Atualmente duas unidades Nakamura estão em processo de substituição total de prédio", completa. Sobre Guarulhos, a secretaria estadual informa que "foram realizadas melhorias em todas as 12 unidades construídas no padrão e atualmente está em elaboração edital para licitação de reforma da EE Maria Dirce 3, que incluirá serviços de isolamento térmico, revisão da cobertura e pintura geral, no valor de mais de R$1,5 milhão".

Reclamações semelhantes têm sido registradas em outras cidades do Estado e em escolas de alvenaria, mas igualmente sem sistemas de climatização. Em Araraquara, que fica em uma das regiões mais quentes do estado, alunos relataram confusão na última terça em função da falta d'água nos banheiros para lavar as mãos e beber. A temperatura na cidade chegou a 40ºC.

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