Como São Sebastião e outros santos se tornaram amados por LGBTs

Celebrado neste sábado (20), São Sebastião é um dos santos católicos mais reverenciados por pessoas da comunidade LGBTQIAPN+. Veja, abaixo, como surgiu essa ligação e a história de outros santos considerados ícones na comunidade.

imageDevoção a São Sebastião

Na tradição cristã, São Sebastião é um mártir descrito como um soldado que teria sido alvejado por flechas e posteriormente espancado até a morte por desafiar o Império Romano e proteger os cristãos, que eram alvos de perseguição.

Sua associação contemporânea com a comunidade LGBT, onde é venerado como um ícone e padroeiro, remonta a séculos atrás, de acordo com Richard Kaye, pesquisador da Universidade de Princeton, em seu trabalho "'Perdendo Sua Religião': São Sebastião como Mártir Gay Contemporâneo".

Kaye destaca que os "Acta Sanctorum" (Atos dos Santos, coleção da Igreja Católica) revelam um vínculo emocional entre Sebastião e seus oficiais superiores, mencionando que ele "era muito amado pelos imperadores Diocleciano e Maximiano".

Os imperadores, diz Kaye, o queriam sempre ao seu lado, como guarda pessoal e possivelmente amante, ignorando sua fé cristã até o momento em que ele se rebelou.

Durante o Renascimento, Kaye sugere que a iconografia cristã de São Sebastião sustenta um ideal homoerótico.

No século 19 e, mais recentemente, nas últimas décadas, a figura de São Sebastião ressurgiu como um símbolo de identidade e resistência homoafetiva. Para os gays contemporâneos, Sebastião representa um exemplo de indivíduo gay que permaneceu oculto e foi submetido a torturas.

A presença de São Sebastião é notável nas obras de Oscar Wilde e Frederico Garcia Lorca, bem como no filme de temática gay "Sebastiane" (1976) e no videoclipe da música "Losing My Religion", da banda R.E.M.

Religioso e LGBT?

A posição oficial da Igreja Católica é que ser homossexual não é pecado. No entanto, a doutrina estabelece que "atos homossexuais" são "pecados graves contra a castidade" e "expressões do vício da luxúria", como apontado no Compêndio do Catecismo da Igreja Católica publicado pelo Vaticano.

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Atos homossexuais específicos são contrários ao nosso chamado ao amor. Por outro lado, a orientação homossexual, embora possa dificultar uma verdadeira doação a uma pessoa do sexo oposto, não contradiz diretamente a nossa vocação de imitar o amor de Deus.
Charles E. Curran e Richard A. McCormick, em "João Paulo II e a Teologia Moral"

No entanto, há vozes dissonantes dentro da Igreja. "Alguns santos provavelmente eram gays. Você pode ficar surpreso quando chegar ao céu e ser recebido por homens ou mulheres LGBT", escreveu James Martin, padre nomeado pelo Papa Francisco como consultor do Vaticano, no seu Facebook, em 2017.

Outros ativistas dentro da comunidade católica argumentam que o ensino do Vaticano viola "a verdade do amor incondicional de Deus por todas as pessoas" e afasta "os jovens da Igreja".

O Papa Francisco fez alguns progressos nesta direção, mas há muito trabalho a ser feito, especialmente entre muitos dos seus irmãos no episcopado, para unir verdadeira e plenamente as duas verdades do amor incondicional de Deus por todas as pessoas e do significado da sexualidade humana
Todd A. Salzman e Michael G. Lawler, em "Dignidade Humana e Homossexualidade no Ensino Católico: Uma Desconexão Antropológica entre Verdade e Amor?"

Outros santos

Os santos Sérgio e Baco foram apresentados na Parada Gay de Chicago e tornaram-se ícones LGBT
Os santos Sérgio e Baco foram apresentados na Parada Gay de Chicago e tornaram-se ícones LGBT Imagem: Divulgação
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São Sérgio e São Baco, mártires do século 4, tiveram sua narrativa inicialmente registrada no texto grego antigo intitulado "A Paixão de Sérgio e Baco", no qual são descritos como "erastes", ou seja, amantes.

Conforme relata o texto, ambos eram oficiais do exército romano e permaneceram inseparáveis mesmo após a morte. Quando Baco foi assassinado, seu espírito, segundo a narrativa, apareceu a Sérgio no dia seguinte, encorajando-o e fortalecendo sua fé para que pudessem eventualmente se reunir novamente. Em Roma, existe uma igreja dedicada a esses dois santos construída no século 9.

No livro "Cristianismo, Tolerância Social e Homossexualidade" é mencionado que a Igreja, ao longo dos séculos, teria tentado ocultar o passado do casal gay composto por esses dois santos, que eram respeitados pela comunidade religiosa.

O historiador John Boswell argumenta ainda que Sérgio e Baco participaram de uma cerimônia denominada "adelphopoiesis", a qual, segundo ele, representava uma forma de união de mesmo sexo. Essa perspectiva sustenta a teoria de Boswell sobre a suposta tolerância dos primeiros cristãos em relação à homossexualidade.

Em 1994, graças ao trabalho do pintor americano de ícones religiosos, Robert Lentz, que também era gay, São Sérgio e São Baco foram apresentados durante a Parada Gay de Chicago, alcançando visibilidade global e conquistando uma legião de devotos LGBT.

São Aelred, também conhecido como Elredo, de Rievaulx, foi um monge inglês que viveu por volta do ano 1100 e deixou escritos íntimos, como "De institutione inclusarum", onde descreve sua entrega a "uma nuvem de desejo" proveniente dos impulsos carnais, e a "doçura do amor e a impureza da luxúria" que exploraram sua juventude.

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Boswell afirma que em "De Spiritali Amicitia" (Sobre Amizade Espiritual), o santo aborda abertamente sua homossexualidade e fala sobre o "amor entre pessoas do mesmo gênero". Segundo o historiador James Neill, Aelred teria mantido um relacionamento com um monge chamado Simon, dedicando-se a ele até a morte.

Diversas organizações voltadas para a comunidade LGBT adotaram São Aelred como seu santo padroeiro, entre elas a Integrity USA, que busca a inclusão de LGBTs na Igreja Episcopal dos Estados Unidos.

Quanto às santas lésbicas, Boswell relata em "Uniões do Mesmo Sexo na Europa Pré-Moderna" a possível união de Santa Perpétua e Santa Felicidade, que foram executadas conjuntamente em um anfiteatro na África romana no século 3.

Santa Perpétua Santa e Felicidade formariam um casal lésbico
Santa Perpétua Santa e Felicidade formariam um casal lésbico Imagem: Divulgação

A natureza precisa do relacionamento entre elas não é clara. Essa incerteza é aumentada pelo fato de que nem marido é mencionado: no caso de Felicidade, isso poderia ter ocorrido porque ela era escravizada e o casamento de escravizados não era legal, mas Perpétua era uma nobre
John Boswell, historiador

Ele também afirma que, ao final de seu martírio, as santas foram lembradas como "os mais viris dos soldados". Santo Agostinho dizia que seus nomes estavam predestinados e, juntos, resultariam em "felicidade eterna".

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* Com informações de reportagem publicada em 17/05/2019.

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