Deputados da base culpam 'ministro encastelado' por impasse no ensino médio
A reforma do ensino médio segue empacada na Câmara. Os deputados atribuem a situação à omissão do ministro da Educação, Camilo Santana (PT). A avaliação é que ele ficou "encastelado" no MEC (Ministério da Educação) sem entrar em campo para defender a proposta.
O que aconteceu
As críticas vêm de deputados federais da própria base governista —ninguém da oposição foi ouvido pelo UOL. Prevalece a queixa de que faltou conversar com as lideranças.
Houve uso de expressões fortes como "arrogante" e "com soberba". A avaliação destes deputados, que preferem falar sem se identificar, é que a estratégia de Camilo se mostrou errônea desde o começo e não houve autocrítica para uma correção de rota.
O UOL procurou o MEC na sexta e novamente na segunda. Mas a pasta não comentou sobre as declarações dos deputados.
Também sobrou para o Planalto. Deputados de esquerda e do centro reclamaram que todos os esforços do governo estavam centrados na agenda econômica. A educação foi escanteada e deixada de lado.
O MEC se propôs a mudar o ensino médio. Houve uma alteração no governo Michel Temer (MDB), que foi muito criticada pela esquerda.
O projeto enviado pelo ministro à Câmara, entretanto, não vingou. O texto foi alterado, está muito parecido com o sistema atual e existem votos de sobra para ser aprovado dessa forma. Publicamente, Camilo insiste na tecla de que a proposta foi discutida com uma diversidade de atores envolvidos (leia mais abaixo).
O ministro não se envolveu diretamente na discussão na Câmara, por isso a iminência de derrota entrou na conta dele. Ele é criticado por não procurar lideranças partidárias para dialogar, principalmente o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
A reforma do ensino médio é vista como de vital importância para o prestígio de Camilo. Ela foi colocada como uma das quatro prioridades do governo Lula para o semestre. Uma derrota teria grande impacto.
Ministro se fechou
Parlamentares criticam que Camilo agiu como se a Câmara fosse uma "carimbadora de projetos". Dizem que o ministro não percebeu que precisaria discutir a proposta e ouvir sugestões.
Integrante da Frente Parlamentar da Educação, o deputado Ismael dos Santos (PSD-SC) diz que Camilo só agiu quando a derrota se desenhou. Ele avalia que o ministro se fechou com um círculo de assessores e acreditou que dizer ter apoio da sociedade bastaria.
Tarcísio Motta (PSOL-RJ) conta que sente uma mudança de atitude. Como exemplo, cita que a reforma do ensino médio foi tratada pelo ministro em reunião do Fórum Nacional de Educação.
A deputada Luciene Cavalcante (PSOL-RJ) afirma que o atual envolvimento de Camilo pode reequilibrar o jogo de forças. Também membro da Frente Parlamentar de Educação, ela avalia que votos do PP e do União podem ser revertidos em prol do projeto mediante conversas do ministro.
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Quero receberHá uma preocupação entre interlocutores da educação da insistência do MEC em falar do cenário deixado pelo governo Bolsonaro. Eles afirmam que é necessário reconstruir a pasta, mas que se espera uma ação maior fora do gabinete no ministério também.
Estratégia incorreta
O MEC entregou o projeto ressaltando o apoio dos secretários estaduais da Educação e a consulta de 150 mil pessoas. Mas esse discurso ruiu logo depois que a proposta chegou à Câmara dos Deputados.
Parte dos secretários logo desabonou o projeto. Criticaram a falta de carga horária para aulas técnicas e tiraram foto com o relator, Mendonça Filho (União-PE), que havia elaborado um texto alternativo que atendia esta demanda.
Também houve reclamações das entidades consultadas pelo MEC. Deputados afirmaram que foram procuradas somente instituições que disseram o que era desejado ouvir, desbancando o discurso de amplo debate encampado por Camilo.
O projeto foi alterado, sem o envolvimento do ministro. Um deputado do próprio PT afirmou que ele ignorou os alertas dos parlamentares e ficou "encastelado" na Esplanada dos Ministérios.
Mas Camilo tem defensores. A deputada Tabata Amaral (PSB-SP) disse que não vê sinais de arrogância ou soberba no ministro.
Presidente da Frente Parlamentar da Educação, o deputado Rafael Brito (MDB-AL) também tem essa avaliação. Para ele, o assunto se tornou uma disputa ideológica entre a esquerda e a oposição, gerando um diálogo equilibrado.
Brito ressalta que o relator do projeto já sinalizou que aceita mudar o texto. O MEC seguiria enraizado na proposta enviada ao Congresso Nacional.
O impasse
A carga horária é a razão da disputa. Atualmente, o ensino médio tem 3.000 horas de aulas e existe divergência sobre quanto deveria ser dedicado a matérias tradicionais, como português, matemática, geografia e história, e quanto estaria livre para o ensino técnico.
- O relator defende 1.800 horas para disciplinas tradicionais;
- O MEC quer 2.400 horas;
- O relator sinalizou aceitar 2.100 horas, mas o ministério não se manifestou.
Prejuízos em adiar a decisão
O governo articula para dar o troco no Senado. Existe uma tentativa de emplacar a senadora Tereza Leitão (PT-PE) como relatora para que ela confeccione um texto com as demandas do MEC.
Se aprovado, esse projeto voltaria para a Câmara e poderia ser alterado novamente. A disputa por versões é considerada preocupante porque tende a arrastar a discussão num ano que o Congresso deve parar em julho, devido às eleições municipais.
Não decidir logo significaria mais um ano com alunos seguindo uma grade curricular que sabem que será mudada. O presidente da Frente Parlamentar de Educação enxerga um prejuízo educacional e um desestímulo aos alunos se aplicarem nos estudos.
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