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Alfabetização: desafio permanente

Cena do filme "Central do Brasil" - Divulgação
Cena do filme "Central do Brasil" Imagem: Divulgação
Lucila Cano

11/09/2015 06h00

Imagine o leitor a situação de um analfabeto adulto que não tem ao seu lado alguém que saiba ler e escrever para ajudá-lo em uma emergência, ou mesmo em coisas do dia a dia que nos parecem tão simples.

Aqueles que tiveram a oportunidade de assistir ao filme "Central do Brasil" (Walter Salles/1998) devem se lembrar da personagem Dora, interpretada por Fernanda Montenegro, que na estação de trens escrevia cartas para os analfabetos enviarem aos parentes distantes.

A cena se repete em inúmeros pontos do país onde analfabetos dependem de outras pessoas para poderem se comunicar, pegar uma condução, saber se estão tomando o remédio certo da maneira certa e muito mais.

Avanço no Brasil

Em julho de 2015, o percentual estimado de analfabetos acima de 15 anos de idade era 8,7%, o que correspondia a cerca de 13 milhões de brasileiros. O número é ainda alto, mas significa um avanço no combate permanente ao analfabetismo entre adultos. O Censo 2010 informava uma taxa de 9,6% naquele ano para o mesmo universo de pessoas de 15 anos ou mais de idade. Uma década antes, em 2000, a taxa era de 13,6%.

Alfabetizar adultos não é fácil. Os jovens que abandonaram a escola resistem voltar aos estudos. Eles se sentem envergonhados quando ingressam em classes com colegas mais novos. Ficam à margem, porque do pouco que chegaram a aprender podem ser considerados analfabetos funcionais, aqueles que sabem escrever o nome e fazer apenas algumas operações aritméticas básicas.

Os analfabetos mais velhos resistem ao aprendizado, principalmente nas áreas rurais, porque acham que o seu tempo passou, que não vale a pena tentar.

Para mudar tais comportamentos, o papel de empresas que empregam trabalhadores sem qualificação é fundamental. Muitas dessas empresas que atuam no setor de serviços e na construção civil dedicam especial atenção a esses colaboradores e investem em aulas no próprio local de trabalho. O primeiro resultado é comportamental: o trabalhador sente que a empresa reconhece que ele é importante para ela.

A resistência ao estudo é logo esquecida, porque no ambiente em que todos são iguais e mais ou menos na mesma faixa etária, não há motivo para ter vergonha ou se sentir inferior aos demais. Assim, o aprendizado torna-se consequência natural e, depois que descobrem que “eles também podem”, os recém-alfabetizados querem aprender mais.

Essa atividade de resgate da dignidade das pessoas, dando-lhes acesso ao conhecimento a que todos têm direito, não depende de grandes investimentos, mas de boa vontade e perseverança. Além disso, pode ser igualmente adotada fora do campo empresarial. Em todo o país, já são muitas as igrejas e ONGs que reúnem voluntários em torno de programas de alfabetização de adultos.

O Dia da Alfabetização

Todo ano, por ocasião do Dia Internacional da Alfabetização, em 8 de setembro, Irina Bokova, diretora-geral da Unesco, divulga uma mensagem em defesa do direito que todo ser humano tem à alfabetização.

Do texto deste ano, destaco duas passagens. A primeira diz que: “Ao empoderar homens e mulheres, a alfabetização ajuda a promover o desenvolvimento sustentável em todas as direções – de melhor assistência médica e segurança alimentar à erradicação da pobreza e à promoção do trabalho decente”.

E, para encerrar, a segunda passagem informa que: “Hoje, 757 milhões de adultos ainda carecem de habilidades básicas de alfabetização – destes, dois terços são mulheres. O número de crianças e adolescentes fora da escola está em ascensão, chegando a 124 milhões em todo o mundo -, enquanto cerca de 250 milhões de crianças em idade de ir à escola primária não dominam habilidades básicas de alfabetização, mesmo frequentando a escola”.

O analfabetismo tolhe a independência das pessoas. Impede que elas se libertem da miséria e da exploração. Fecha as portas do desenvolvimento intelectual e profissional. É um atraso de vida para povos e países.

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.