Quanto custa o preconceito
Com a aprovação do Estatuto do Idoso em 1º de outubro de 2003, comemora-se, desde então, o Dia do Idoso nessa data. Passados 13 anos, nem tudo o que foi firmado em papel transformou-se em realidade na vida dos idosos. O que não é de se estranhar, pois nossos legisladores tendem a formular leis tão ambiciosas quanto impossíveis de serem cumpridas.
Em relação ao Estatuto do Idoso, basta a leitura dos três primeiros artigos das disposições preliminares para entendermos claramente a inviabilidade do que neles se promete diante do que de fato temos no país:
Art. 1o É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.
Art. 2o O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
Art. 3o É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
Não vou me estender mais sobre os artigos e parágrafos da lei nº 10.741, posteriormente atualizada em julho de 2013. A íntegra está acessível na internet para quem quiser saber mais sobre os direitos dos idosos. Alguns deles, justiça seja feita, conquistados e comemorados, como passagens gratuitas e assentos reservados nos transportes públicos, e a prioridade de atendimento em diversos serviços.
Conduta
O que não cabe comemorar é o preconceito em relação aos idosos que persiste em várias situações. Ele se manifesta principalmente pela impaciência, pela incapacidade que as pessoas têm de ouvir as outras. Também se apresenta pela arrogância, por aquele traço comum àqueles que acham que sabem tudo e que, portanto, não precisam dar tratos à opinião de alguém mais velho. A experiência do idoso, supõe o arrogante, é coisa obsoleta, ultrapassada como a tecnologia do telefone que ele comprou no ano passado e jogou no lixo este ano.
A conduta atual privilegia o supérfluo, o passageiro, o sucesso instantâneo. E tamanha é a voracidade dela que seres humanos acabam sendo comparados com objetos descartáveis. Esquecem os fúteis que o valor do ser humano está justamente no estofo, no conteúdo de experiências fantásticas que uma pessoa acumula com seus erros e acertos e que podem contribuir para que uma sociedade se torne melhor do que é.
Reformas
A aprovação de uma nova idade para a aposentadoria compulsória dos ministros do STF, tribunais superiores e TCU, agora aos 75 anos, é exemplo de bom senso e respeito para com a própria população brasileira, que pode usufruir por mais tempo o conhecimento desses servidores em favor da justiça.
Se pudéssemos quantificar, qual seria o custo do preconceito com os mais velhos? Empresas aposentam ou despedem colaboradores experientes, alegando necessidade de renovação. Arriscam perder o saudável equilíbrio da somatória das vivências de diferentes gerações.
Um estatuto é bom e serve de base para a reivindicação de direitos escritos, mas não recebidos. Os brasileiros envelhecem desprovidos de educação, poupança e cuidados de saúde física e mental; com oportunidades de trabalho restritas; e sob a ameaça cotidiana do preconceito dentro de casa, na vizinhança, nas ruas.
Um estatuto serve de base para a reivindicação de direitos escritos, mas não recebidos. Ainda é pouco, no entanto. Com mais três décadas, um terço da população brasileira será de idosos. O país precisa de reformas, a começar pela mais necessária de todas, a de comportamento.
* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.
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