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Professores percorrem 29 cidades em carro movido a óleo de fritura

Felipe Martins

Do UOL, no Rio de Janeiro

20/07/2013 06h00Atualizada em 22/07/2013 09h38

Três professores da rede estadual do Rio de Janeiro resolveram fazer uma viagem de 22 mil quilômetros até a cidade argentina de Ushuaia, conhecida como “fim do mundo”, numa Mercedes ano 58 movida a óleo de fritura. Gilmar Guedes, Marco Aurélio Berao e Robson Silva Macedo saíram em direção ao sul da Argentina, em janeiro deste ano, a bordo do carro abastecido pelo combustível fornecido em parte pelos alunos do Colégio Estadual Brigadeiro Schorcht, na Taquara, zona oeste do Rio, onde lecionam.

Os professores contaram à reportagem do UOL que, através da viagem, queriam despertar nos alunos a motivação pelos estudos.

“Nós queríamos mostrar aos alunos que quando se tem um sonho, a gente deve acreditar nele. Exige esforço, exige renúncia, mas, com força de vontade, a gente consegue”, disse Guedes, que ministra aulas de filosofia. “A intenção era mostrar que, se nós conseguimos fazer uma viagem até o fim do mundo, o aluno pode, com determinação, chegar a uma faculdade, um curso técnico”, declarou Macedo, responsável pela disciplina de religião. "Se três professores, que são pessoas comuns como eles, conseguem fazer uma viagem ao fim do mundo, eles [os alunos] também podem conseguir os objetivos deles", completou Berao, que dá aulas de biologia.

A antiga Mercedes do professor Guedes não fazia parte dos planos iniciais da viagem. Os professores pretendiam comprar um furgão para a expedição. Para isso, apresentaram o projeto à Secretaria Estadual de Educação, mas receberam apenas apoio institucional. “Acharam que nós éramos loucos”, lembrou Guedes. Com empresários, conseguiram pouco dinheiro. Sem recursos, decidiram então preparar o carro da década de 50 para a empreitada.

A arrecadação do óleo de fritura para o combustível do automóvel foi a forma que os professores encontraram para fazer os alunos participarem de fato do projeto. “A gente fez uma campanha na escola para que os alunos recolhessem o óleo nas suas casas. Assim, a gente queria trabalhar a questão ambiental com eles. Mostrar que um resíduo altamente danoso ao meio ambiente, que poderia ser descartado de qualquer maneira, pode ter outra finalidade. Com o projeto, eles seriam os responsáveis por nos levar ao fim do mundo com esse óleo”, disse Guedes.

“A resposta dos alunos, o retorno, foi uma coisa muito grande. Conseguimos arrecadar cerca de 300 litros de óleo. Foi muito importante para tratar o tema ambiental e da responsabilidade social em sala de aula”, afirmou Macedo.

Para o uso como combustível, o óleo passa por um processo de decantação que dura aproximadamente 20 dias. Ao ser introduzido no carro, a substância vai para um segundo tanque que o professor Guedes acrescentou no veículo, que de fábrica é movido a diesel. "Como o óleo de fritura é mais viscoso, uma peça instalada no carro chamada trocador de calor faz a água do radiador atuar no óleo aquecendo e afinando, diminuindo essa viscosidade", explicou. " E o óleo de fritura tem ácidos graxos que são muito bons para o carro, aumentam a vida útil do motor", garantiu.

Os professores partiram em janeiro deste ano em uma viagem que durou 37 dias. Passaram por 29 cidades do Uruguai, Argentina e Chile. Eles registraram as imagens da fauna e flora em mais de 20 mil fotos e 40 horas de gravação em vídeo. Os alunos puderam acompanhar as fotos em uma página criada no Facebook. Durante o período na estrada, enfrentaram temperaturas que variavam de 45 graus durante o dia a zero grau à noite. Quase sempre acamparam em campings nas cidades, mas algumas vezes precisaram dormir “no meio do nada”, como na Patagônia.

“Foi uma viagem com condições bem limitadas. Durante o dia, a gente ficava quase o tempo inteiro no veículo. Era comum durante o percurso fazer as refeições dentro da Mercedes. Ou a gente usava os campings ou quando era possível a gente ficava em hostels. Na Patagônia, a gente enfrentou variações de temperatura enormes. Tivemos que fazer um grande controle de gastos”, relatou Berao.

Ao finalmente chegarem a Ushuaia, os professores estenderam a bandeira do Colégio Brigadeiro Schorcht. “Foi uma forma de marcar, de lembrar aos alunos, a todo o colégio que eles estavam conosco nessa conquista”, disse Guedes. “Uma forma também de valorizar a escola pública, de dizer que o ensino público é uma fonte de criatividade”, acrescentou.

Trabalho pedagógico

Desde a volta ao Rio, os professores estão usando o material da viagem para o trabalho pedagógico em sala de aula “As fotos, a gente transformou em uma exposição que já foi feita no colégio e no consulado da Argentina. A professora de espanhol está usando os textos das reportagens que saíram sobre a gente na Argentina. A professora de artes montou a exposição no colégio com a participação dos alunos. A professora de química aborda a partir do óleo de fritura o tema dos hidrocarbonetos”, contou o professor de biologia. 

“Quando a gente mostrava os vídeos, a gente via os olhos vivos dos alunos, atentos a cada detalhe. A professora de história usa nossa viagem para falar do período colonial na América Latina. Isso tudo se torna muito mais vivo para os alunos, que poderão dizer que têm professores que foram aos locais dos temas trabalhados em sala de aula”, disse Guedes.

Ao longo da viagem, os professores conseguiram coletar mais litros de óleos com moradores e comerciantes locais. Segundo eles, cerca de um terço do trajeto foi percorrido com o biodiesel. “Essa viagem mostrou que a gente [os professores] não deve ficar esperando do poder público, deve fazer. Isso não exime o governo de responsabilidade, claro que não. A gente tem que lutar por melhores condições de trabalho. Em contrapartida, o professor não deve fugir da sua responsabilidade, ele é parte fundamental para a formação do aluno, de quem ele será no futuro”, afirmou Guedes.

Os professores pretendem voltar a rodar com a Mercedes, dessa vez pelas cidades do Estado do Rio, em uma exposição itinerante, para falar da viagem e trabalhar o tema ambiental nas escolas por onde passarem. “Antes de chegarmos a cada cidade do Estado, os alunos de cada escola vão coletar o óleo para que a gente possa continuar a viagem até o próximo local a ser visitado”, disse o dono do antigo carro.