Não quero trabalhar na mata, diz indígena que deixou aldeia para estudar
Aos 16 anos, Maciel Apurinã, indígena do povo Apurinã, já tem traçado os planos para o futuro: fará faculdade e será desenhista ou médico. O jovem de poucas palavras e sorriso tímido deixou há um ano a aldeia em que nasceu, que fica na região do Médio Rio Purus, para estudar em Lábrea, a 701km de Manaus.
"Saí da aldeia e vim para a cidade só para estudar. Não quero ficar trabalhando na mata. É perigoso. Quero estudar, fazer o ensino médio e também faculdade", diz.
O jovem estudou na aldeia até o 6º ano, em 2010, mas acabou largando a escola, pois o local não possuía professores capacitados para lecionar o restante do conteúdo do ensino fundamental. Além disso, o falecimento de seu pai devido a um câncer contribuiu para o afastamento dos bancos escolares.
Foram anos longe da escola, mas ao perceber que somente estudando ele poderia ter uma vida diferente de seus parentes, Maciel decidiu retomar os estudos, no ano passado. “É. Acabei ficando três anos sem estudar. Mas decidi voltar. Antes do meu pai morrer, ele falou para eu estudar”, lembra o jovem.
Maciel mora somente com uma irmã mais velha no centro da cidade e cursa atualmente o 7º ano do ensino fundamental em uma escola da rede pública. O resto da família continua vivendo na aldeia em que nasceu. “Agora voltei direito. Prometi ao meu pai que continuaria os estudos. Quero ter um futuro melhor”, ressalta animado.
Mudança obrigatória
O fato de Maciel ter deixado sua aldeia para continuar os estudos na cidade mais próxima não é um acontecimento isolado na região do Médio Rio Purus. Muito pelo contrário, é um problema recorrente. Ao todo, são 18 povos distribuídos entre os quatro municípios (Tapauá, Canutama, Lábrea e Pauini) do rio amazonense, segundo Luiz Fernandes, coordenador regional do Médio Purus da Funai (Fundação Nacional do Índio).
A reportagem do UOL conversou com moradores indígenas de Lábrea e da aldeia Nova Morada, que fica a 12h de barco do centro de Lábrea, e com professores de algumas aldeias e a opinião sobre o assunto foi unânime: falta capacitação para os professores das escolas indígenas conseguirem atender a demanda de todos os alunos, que precisam se mudar para a cidade para conseguir terminar ao menos o ensino fundamental.
Para se ter uma ideia, os educadores de escolas indígenas precisam ter apenas o ensino médio para dar aulas do 1º ao 5º do ensino fundamental. “Nossa capacitação é até o 5º ano, geralmente. Para dar o 6º, 7º, 8º ano e assim por diante, precisamos buscar conhecimento, mas precisamos de ajuda para isso. Precisamos de oportunidades para estudar”, diz o cacique Paumari e ex-professor José Roberto de Souza Paumari, que afirma ter precisado de 13 anos para concluir o curso magistério indígena, chamado Pirayawara, oferecido por meio de uma parceria da secretaria de Educação do Estado do Amazonas com a prefeitura de Lábrea.
De acordo com Luiz Fernandes, o curso era constituído por módulos de 15 dias durante as férias escolares. O formato foi definido assim para que os professores pudessem continuar dando aulas no período letivo. No entanto, por falta de organização acabou formando sua primeira turma em Lábrea só depois de 12 anos.
"A nossa situação é que a gente gostaria que a educação de qualidade chegasse às aldeias, mas a realidade é que nós indígenas estamos saindo da aldeia para continuar a educação", comenta Edilson Rosário Paumari, idealizador do projeto "Sou Bilíngue Intercultural", que ensina gratuitamente as línguas dos povos Paumari e Apurinã.
*A jornalista viajou à convite da Caravana do Esporte e da Caravana das Artes, projeto da ESPN em parceira com o Instituto Esporte e Educação, Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e Disney, que tem como objetivo levar a metodologia do esporte educacional e da arte-educação para comunidades do interior do Brasil com baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).
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