Falta de infra e apoio a professores levam alunos a ocupar escola no Rio
Com fachada revestida em pedra, detalhadamente ornamentada com elementos ecléticos e um frontão acompanhado de quatro estátuas, o imponente edifício do Colégio Estadual Amaro Cavalcanti não passa despercebido por quem transita pelo Largo do Machado, ponto popular da rica e turística zona Sul carioca.
A impressão inicial deixada pela bela arquitetura, no entanto, logo se desfaz ao se adentrar o prédio por uma de suas enormes portas, depois de ultrapassado o pesado portão de ferro que o separa da rua.
A escola foi ocupada em 14 de abril por estudantes descontentes com os rumos da educação no Rio de Janeiro. O motivo da insatisfação: problemas que vão de deficiências de estrutura à falta de funcionários. A Secretaria de Educação do RJ nega os problemas.
Longe de se restringir ao tradicional colégio, construído em 1875 a mando do imperador Dom Pedro 2º, as falhas são comuns a diversas instituições de ensino públicas fluminenses.
A gota d’água para os alunos foi a falta de uma solução, por parte do governo do Estado, para a greve dos professores, que começou no início de março e afeta o calendário escolar.
Em alguns dias, estudantes que moram em regiões distantes estavam indo à escola para assistir a uma ou duas aulas. Em uma assembleia, a solução encontrada por eles foi aderir ao movimento das ocupações, que teve início há cerca de um mês no Colégio Estadual Mendes de Moraes, na Ilha do Governador.
“Às vezes vínhamos e ficávamos duas horas na escola. Não era viável. Tem muita gente que mora na Pavuna [Zona Norte do Rio] e outras regiões bem distantes. Era muito ruim para essas pessoas”, diz o estudante do terceiro ano do Ensino Médio Wictor Soares de Macedo, de 18 anos.
Ele ressalta, porém, que a ocupação apoia a greve dos professores e cobra uma solução por parte da secretaria de Educação.
"Saunas" de aula
Diante das altas temperaturas que não raro se aproximam dos 40ºC, os estudantes do Amaro Cavalcanti reclamam também da falta de climatização nas salas de aula, que passaram a chamar de “saunas de aula” por conta da inexistência de aparelhos de ar-condicionado.
Os ventiladores, queixam-se, são insuficientes para amenizar o calor. “Os poucos ventiladores que funcionam não atendem o calor da sala. Estamos falando do Rio de Janeiro, uma cidade bastante quente”, diz Wictor.
Em uma capital conhecida por suas praias e pelo estilo despojado dos cariocas, o sistema de educação ainda se mostra reticente a discutir os códigos de vestimenta impostos aos alunos. Apesar do calor tropical, os estudantes são proibidos de vestir bermudas ou calçados abertos.
“Sofremos com o uniforme. A gente tem que vir de calça e ainda ficar numa sala quente. Isso prejudica os estudos. O governo liberou a bermuda e regatas por um tempo no verão, mas o calor do Rio não fica só no verão”, reclama Wictor.
Para completar o desconforto, os alunos têm de lidar com a recorrente falta de água. Inconformados com a situação, recentemente rebelaram-se contra o problema e deixaram as salas de aula em direção ao pátio. Diante do tumulto gerado, a escola acabou liberando os estudantes.
Carne estragada
A lista de reclamações, porém, não termina por aí. No colégio, que em períodos normais chega a ter mais de 2 mil estudantes do Ensino Médio e da Educação de Jovens e Adultos (EJA), faltam de porteiros e faxineiros a material básico de ensino, os banheiros estão com ralos entupidos, há sala de aula sem porta e lâmpadas queimadas.
"As tias da faxina estavam vindo duas vezes por semana, então os próprios alunos tinham que limpar as salas", afirma o estudante Jean Gabriel Oliveira da Silva, 18.
Na cozinha da escola, ele diz ter feito uma das descobertas mais desagradáveis durante a ocupação: um refrigerador com merenda fora do prazo de validade. “Achamos mais de 16 quilos de carne estragada, estava verde, muito nojento”, relata.
“Fui contra a ocupação no início, mas acabei me surpreendendo com o que encontramos”, diz. “Na escola, falta muita coisa. Não tinha nem pilots [caneta hidrográfica]”, complementa.
Os pincéis atômicos tinham de ser adquiridos pelos professores com recursos próprios em alguns casos, contaram os estudantes, que, na ocupação, acharam diversas caixas com o material, porém não descobriram quando foram adquiridas.
Insatisfeitos com as condições de trabalho, os professores apontam que as deficiências têm impacto direto nas aulas.
“Não tem material. A gente não aguenta mais aquela aula tradicional que atende [apenas] a um programa a ser cumprido, mas quando queremos levá-los a um teatro, é uma dificuldade, porque não tem dinheiro. Quando queremos passar um vídeo, só tem um equipamento para um monte de professores e turmas”, afirma a professora de história Silvana Mesquita, 57.
Mais do que apontar os problemas físicos e de pessoal do colégio, os estudantes questionam as diretrizes do atual modelo de educação.
Aluna do segundo ano do Ensino Médio, Maria Eduarda, 16, defende que a escola ofereça mais opções de cultura e lazer para os estudantes e coloque em pauta temas atuais.
“Estamos trazendo cultura [com a ocupação]. É uma coisa que todo colégio deveria oferecer aos alunos”, diz ela, acrescentando que sente falta de mais aulas de filosofia e sociologia.
“São apenas 50 minutos para falar sobre sociedade, preconceito e classes sociais. Não tem como o professor preparar uma aula legal com slides e vídeos nesse tempo. Enquanto isso, são seis tempos de matemática”, compara.
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