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Doméstica não é liberada, e filho, sem escola pública, vai para particular

Escola Municipal Quintino Bocaiuva, na zona leste de São Paulo, fechada; mães ouvidas pela reportagem não têm perspectivas de onde deixarão seus filhos - Alex Tajra/ UOL
Escola Municipal Quintino Bocaiuva, na zona leste de São Paulo, fechada; mães ouvidas pela reportagem não têm perspectivas de onde deixarão seus filhos Imagem: Alex Tajra/ UOL

Alex Tajra

Do UOL, em São Paulo

17/03/2020 11h37

Resumo da notícia

  • Por conta do novo coronavírus, escolas públicas de São Paulo serão fechadas no dia 23
  • Mães não têm perspectivas de onde deixarão seus filhos
  • Governo e Prefeitura não têm planejamento para as crianças que não têm onde ficar

Isabela Vieira trabalha em casas de família há 11 anos e percorre o mesmo caminho diariamente. De manhã, ela deixa sua casa em Guarulhos com o filho de 6 anos e ruma de ônibus à zona leste de São Paulo. Deixa o garoto na escola municipal Gomes Cardim, no Tatuapé, também na zona leste, e depois parte para seu trabalho.

Isabela, no entanto, não vai poder mais deixar o filho na escola. Por conta da pandemia de coronavírus, todas as instituições públicas de ensino do Estado de São Paulo serão fechadas a partir do próximo dia 23.

A decisão de fechar as escolas públicas em São Paulo foi tomada pelo governador João Doria (PSDB) na sexta-feira (13).

Como outras mães que trabalham como domésticas, ela não foi liberada pelo patrão para cuidar do filho.

Vou procurar uma escola particular para ele, porque não sei o que fazer. Tenho que trabalhar e não tenho com quem deixar"

Isabela corre com o filho para tomar outro ônibus. A matrícula em uma escola longe de casa não foi uma escolha, mas uma necessidade para que ele tenha onde ficar a maior parte do dia.

E se as escolas particulares também fecharem? "Aí, moço, não sei mesmo o que vai ser da minha vida. Vou ter que dar um jeito."

Alternativas para escolas fechadas

Na E.E. Fernando Pessoa, em Cidade Tiradentes, houve aula apenas para os alunos que não tinham onde ficar - Alex Tajra/ UOL - Alex Tajra/ UOL
Na E.E. Fernando Pessoa, em Cidade Tiradentes, houve aula apenas para os alunos que não tinham onde ficar
Imagem: Alex Tajra/ UOL

A situação vivida por Isabela deve se tornar mais corriqueira. Só nas escolas estaduais, são 3,5 milhões de alunos matriculados. Na rede municipal, são cerca de 980 mil alunos, entre creches, pré-escola, ensino fundamental e ensino médio. Com as escolas fechadas, mães, pais e responsáveis em geral terão de arrumar alternativas para as crianças. No horizonte, não há ainda um auxílio concreto do estado.

"Para você ter uma ideia, fiquei sabendo pela televisão. Não nos avisaram de nada", conta Isabela. Outras mães também relataram problemas de informação. Na escola municipal Maria Laura de Souza Campos, na Vila Carrão, a merendeira Regiane de Barros também afirmou que só soube do fechamento da escola quando chegou ao trabalho. Ela cozinha para as crianças da escola, incluindo seu filho de 7 anos.

"Como eu vou ser dispensada também, eu posso ficar com ele em casa. Mas muitas mães já vieram me falar que terão de gastar com babás, que não têm com quem deixar os filhos. A gente não sabe o que vai acontecer, estamos esperando uma ordem do prefeito. Para nós, falaram que só vai sair alguma coisa na sexta-feira. Não sei o que vai ser da gente aqui", diz Regiane.

As escolas, além do acolhimento e do ensino, são responsáveis também pela alimentação das crianças. Nas instituições estaduais de ensino integral, são servidas três refeições. Nas municipais, como a que trabalha Regiane, são servidas uma ou duas refeições, a depender do período.

"Só descobri hoje"

Contratar uma pessoa para cuidar da filha será a única solução para a doméstica Gláucia Pereira, 33, mãe de uma menina de 7 anos. A criança estuda na parte da tarde na Escola Estadual Fernando Pessoa, em Cidade Tiradentes, e fica todas as manhãs com uma babá em Guaianases.

"Não sei o que aconteceu, mas descobri só hoje disso tudo. Ninguém falou que a escola iria fechar. Agora, vou ter que contratar uma pessoa aqui perto, porque minha filha não pode passar o dia inteiro em Guaianases. E vai ter que ser todo o período", diz Gláucia. Para passar meio período, ela paga para a babá cerca de R$ 250 mensais. "Meu patrão falou que ia me liberar se a coisa piorasse, mas até agora nada", conta.

Na escola em que a doméstica leva sua filha, o enredo é próximo ao de outras instituições visitadas pela reportagem. Poucos alunos compareceram às aulas. Os que foram pertencem invariavelmente aos grupos familiares que não têm com quem deixar o filho ou a filha. Também foram poucos os pais e mães que foram buscar os filhos —as crianças chegaram à escola e retornaram para suas casas nas vans escolares.

"Haverá aula apenas para os alunos que os responsáveis não tiveram condição de organizar com quem deixar o filho (a)", diz um cartaz colado na porta da instituição da zona leste.

Uma funcionária da escola relatou que sua família passa por situação semelhante. Sua filha não foi liberada para trabalhar em casa, e teve de contratar uma outra pessoa para cuidar da neta de 8 anos. "A vida vai ficar mais cara", sentenciou.

Na E.E. Fernando Pessoa, como em outras escolas públicas da zona leste, os pais "que têm condições" foram orientados a já deixar os filhos em casa nesta segunda-feira (16). O mesmo aconteceu na escola municipal Quintino Bocaiuva. Somente "uns poucos alunos" compareceram às aulas, conforme relato de uma funcionária.

O motorista de aplicativos Francisco Fernandes do Nascimento, 45, não vai conseguir ajudar a irmã e a cunhada a cuidar dos sobrinhos J.P., 8, e S., de 6 anos. As crianças estudam em uma escola pública de São Mateus e terão de ficar com uma babá de 60 anos.

"Não conseguimos achar outra pessoa, até tentamos, mas vai ter de ser com ela mesmo", diz Nascimento. "Ela está no grupo de risco, mas não tem outro jeito."

Outro lado

Procurado, o governo do Estado afirmou que está estudando medidas (cesta básica ou complementação de renda) para os alunos beneficiários do Bolsa Família em São Paulo. "Isso está sendo discutido", disse o subsecretário de articulação da Secretaria de Educação do Estado, Henrique Pimentel.

A prefeitura afirmou que "estuda possibilidades de como manter a alimentação das crianças".