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A decadência da democracia que mal começou: a culpa também é sua, sim!

Andressa Anholete/AFP
Imagem: Andressa Anholete/AFP
Guilherme Perez Cabral

22/05/2017 04h00

A aprendizagem da democracia somente pode ocorrer a partir de sua própria vivência. Não nascemos democratas nem autoritários, honestos nem corruptos.

Somos honestamente democratas, na medida em que agimos, no nosso cotidiano, de forma democrática e honesta. Não bastam belas ideias e discursos. De tanto praticar, nos tornamos os adjetivos de nossas ações. Somos os nossos hábitos e práticas cotidianas.

É a lição antiguíssima de Aristóteles, para quem “as diferenças de caráter nascem de atividades semelhantes. É preciso, pois, atentar para a qualidade dos atos que praticamos”.

Isso explica, um pouco, porque as leis e instituições democráticas custam tanto a “pegar” no Brasil. Somos um país historicamente antidemocrático infestado de corruptos.

Valores democráticos, como o respeito ao outro e o respeito às regras do jogo, não são coisas que vemos muito por aí. Não são coisas que vivemos no dia a dia. Fica difícil aprendê-las na prática, fazendo delas um hábito.

A aprendizagem da democracia entre nós será um processo longo, difícil, complexo, sem que possamos afirmar de antemão se será ou não bem-sucedido.

E só vamos aprendê-la praticando-a, nos envolvendo sempre mais nos problemas e conflitos que nos dizem respeito, no âmbito da escola, do bairro, da cidade, do país. Só assim, na prática, aprenderemos a respeitar o outro e a opinião do outro, a aceitar críticas e reconhecer que o melhor para a sociedade pode significar uma facilidade ou um privilégio a menos para nós.

É verdade: a participação, essencial à democracia, não é algo que a democracia nos imponha. Nossa liberdade, garantida pela democracia, vai tão longe que nos permite, inclusive, não participar e ficar em casa, com nossas verdades e preconceitos nunca praticados. Mas podemos usá-la, também, em favor de hábitos democráticos.

Quando reduzimos a nossa participação ao ato de votar de dois em dois anos enfraquecemos muito as possibilidades da democracia. Aprendemos pouco (ou nada) sobre ela e podemos continuar vivendo com nossos hábitos antidemocráticos.

Quando afirmamos “a culpa não é minha, eu votei no Aécio”, nos desresponsabilizamos política e moralmente de qualquer envolvimento maior nos rumos de nossa democracia.

Deixamos de vivê-la para continuar vivendo de hábitos antidemocráticos. Quando defendemos o governo Lula por seus feitos sociais esquecendo dos custos que isso envolveu (abandono da bandeira da ética na política, alianças com canalhas e, sempre ela, a corrupção), também.

Do mesmo modo, deixamos de vivenciar a democracia para continuar vivendo de hábitos antidemocráticos quando vestimos vermelho ou verde e amarelo para protestar contra a corrupção dos outros, fechando os olhos para a corrupção dos nossos.

Quando, finalmente, desiludidos com a política e com a democracia das quais jamais participamos --e que jamais se tornaram um bom hábito para nós--, depositamos nossas esperanças de salvação em uma única pessoa (um líder populista petralha, um empresário, um apresentador de TV ou um coxinha mimado qualquer que se intitula “não político”), terminamos nosso serviço sujo e matamos de vez nosso bebê moribundo, a democracia.

Sim, a culpa disso tudo que está acontecendo também é minha e sua.