Vivemos uma democracia?
É difícil não se apaixonar pelo Prof. Luís R. Vedovato. Tem uma compreensão profunda e crítica das relações humanas e do direito que as rege. Expõe-na com clareza e suavidade, desconstruindo nossas verdades com afeto. O vi conversando com um fascista uma vez. Sorrindo, fala mansa e com calma, daquelas que devemos ter com crianças e velhinhos, liquidou, uma por uma, as verdades infundadas e raivosas do sujeito que, vencido no debate (mas ainda convicto de suas convicções), só pode, ao final, retribuir o sorriso, com outro amarelo.
Numa conversa despretensiosa, dia desses, trouxe interessante questão que tem me acompanhado. Precisamos, disse, olhar para o cotidiano e extrair dele elementos e critérios que, objetivamente, nos permitam “medir” se, de fato, vivemos uma democracia, tal como estabelece a Constituição.
Citou um exemplo. A democracia envolve consulta, convencimento, debate amplo e aprofundado antes da tomada de decisões que afetem a coletividade. O tempo de tramitação (e debate, portanto) de projetos de lei aparece como um possível critério para aferição de quão democráticos temos sido.
A discussão sobre o Código de Processo Civil (aprovado em 2015), no Congresso Nacional, foi precedida do trabalho de uma “Comissão de Juristas” e demorou cerca de cinco anos.
Já a “PEC do teto”, aprovada no ano passado, passou por processo legislativo muito mais complexo, e não demorou mais de seis meses. Outros projetos de lei vêm sendo aprovados a toque de caixa sem que nós, os destinatários das regras novas, consigamos acompanhar as mudanças impostas.
Podemos pensar noutros critérios mais ou menos elaborados, uns referindo-se à atuação deles, os políticos; outros referindo-se à nossa. A democracia vai muito além dos três poderes. O dia a dia diz muito sobre nosso compromisso com ela: a forma como tratamos o outro, reconhecendo-o em suas diferenças ou naturalizando as violências e privações que sofre, por exemplo.
Limitando-nos, porém, àqueles critérios mais básicos para medir a democracia “política”, como o respeito à regra da maioria e a eleição dos representantes, a verdade é que nem mesmo aqui passamos no teste. O Presidente da República não foi eleito. Não teve nenhum voto. Quanto à sua aprovação pela população, de acordo com recente pesquisa do Datafolha, é de 7%. Pior do que a da antecessora. Ela, da turma bolivariana, saiu. Ele, se dizendo posto lá por Deus, disse que fica.
O cotidiano indica uma democracia que nem mais de fachada é. Existe só no papel. O apego e apropriação do poder, a aversão às opiniões alheias, a antipatia à participação de todos nos processos decisórios contaminou as possibilidades de convivência democrática, trazidas na Constituição. Eu desanimo.
Por isso, conversar com o Professor é sempre um alento. Refletimos sobre a triste realidade social e política do país, tendo, no interlocutor, um exemplo vivo de que a incompetência democrática não é congênita, não é algo necessário, inerente à nossa natureza. Não precisamos ser isso. Há outros caminhos.
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