Eles venceram (ou 251, o número do belzebu)
Dava náusea ouvir os deputados na sessão da Câmara que impediu o seguimento de processo criminal contra Michel Temer. Havia crianças na sala, melhor mudar o canal da televisão.
O presidente sem voto é acusado integrar organização criminosa. Mais, é acusado de chefiá-la, além de embaraçar a investigação de crimes que a envolvem. A sessão da Câmara, analisada sem os disfarces do direito e do linguajar difícil, com trejeitos e mesóclises, por si só, já justificava uma condenação.
251 votos a favor de Temer custaram caro para o Brasil. No preço pago, a volta da escravidão, por portaria ministerial; o perdão de dívidas com o Governo, em programa de regularização tributária; descontos de amigo em multas ambientais.
Havia homens, basicamente homens, senhores barrigudos (nem todos), devidamente trajados, engravatados, com falas prontas e cabelos brancos, ou pintados, cuidadosamente penteados. Referiam-se a “reformas” e “crescimento econômico”. Tudo para defender a manutenção do que há de mais velho, atrasado e abjeto no Brasil: a apropriação do poder, a corrupção, o desprezo por quem não pode pagar para ter garantidos os seus direitos. Foi escárnio.
Defendiam o indefensável. Enquanto falavam, âncoras dos telejornais noticiavam a obstrução urinária de Temer e o agradecimento que fez às palavras de apoio (fiquei pensando: sendo de apoio a ele, tais palavras, foram também compradas?). Com cara de seriedade e interesse, comentaristas de política esforçavam-se para dar ar de normalidade à presepada.
O sentimento de raiva, muita raiva, é inevitável. Pensei na cena de Quentin Tarantino, em Bastardos Inglórios. Recontou a história do nazismo, dando o final que queria. Queria vingança. Toda a corja de Hitler queimada viva numa sala de cinema. Lembrei, mesmo sem gostar, da música do Gabriel, O Pensador. Pensei no menino de Goiás. Cansado de bullyng, viu a arma de fogo como o meio mais adequado para acabar com seu sofrimento, invisível aos demais.
Por bem, temos ainda, nem todos claro, alguma aptidão para “parar e pensar”. E pensando obstamos a ação irrefletida, a violência praticada.
Parando e pensando, podemos, inclusive, perceber que, terminada a votação, não houve panelaço, ninguém foi para a Avenida Paulista de verde e amarelo para protestar. A vida seguiu normalmente. A indignação, enfim, não é generalizada. E onde existe, está tomada de desânimo.
Qual a solução, então? O que fazer? Perguntam alguns.
Meu tema, e sugestão para muita coisa, é a educação. Temo, porém, que, a cada evento desse nível, revelador do potencial da humanidade para a podridão, o educador tem de reconhecer que pode menos.
O poder dessa realidade velha e necrosada, com terno, gravata e falas prontas parece invencível. Infectou também o espaço fundamental de educação, a escola. Alunos, professores e administradores levam para a sala de aula as verdades e os preconceitos da família e da sociedade. E a escola reproduz a realidade velha, gangrenada e generalizada, que sustenta Temer, a sua tropa e nossa resignação.
Qual a solução, então? O que fazer? Já não parece apressada a confissão da derrota. Talvez eles estejam certos. Talvez a vida seja isso aí mesmo, como Drummond descreveu. Mundo caduco, de mortos faladores. Mundo onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
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