Caranguejeiras - Maiores aranhas da terra provocam medo e admiração
Se você pensar em animais como o tubarão branco, a cascavel, a harpia, ou o morcego, provavelmente sentirá medo e admiração. Essas criaturas são envoltas em mitos, lendas e histórias fantásticas – em sua maioria, são rotuladas como assassinas ávidas por sangue humano, ou como monstros que vêm se alimentar de crianças indefesas. E não é diferente com as aranhas caranguejeiras.
Em filmes de terror, tais artrópodes são imensos e voam no rosto das pessoas, matam-nas, enrolam-nas em teias gigantes e se alimentam delas. Felizmente, isso passa muito longe da realidade. Foi o fato de esses animais serem as maiores aranhas da Terra que lhes rendeu esse tipo de fama.
Mas nem sempre foi assim. No deserto de Nazca, no Peru, há representações de arte pré-colombiana, datadas de 300 anos depois de Cristo, e, uma delas é a figura de uma aranha de 50 metros de comprimento esculpida no solo. Outro povo antigo, os etruscos, que habitaram a península onde hoje localiza-se a Itália, também veneravam esses aracnídeos.
As comedoras de pássaros
As caranguejeiras são as maiores aranhas que existem, compreendendo cerca de 900 espécies. Desse total, 300 são brasileiras e se dividem em 11 famílias, das quais dez vivem na Amazônia. Mas é na família Theraphosidae que podemos encontrar as duas maiores aranhas do mundo: a Theraphosa apophysis, da Venezuela, e sua irmã a Theraphosa blondi.
A primeira, pode chegar ao diâmetro de 28 centímetros, de pernas esticadas, — um pouco maior do que um prato de refeição. Já a comedora de pássaros, como é conhecida a Theraphosa blondi, tem o abdômen do tamanho de uma bola de tênis e pesa 125 gramas. Além disso, suas quelíceras, que são as “presas” da caranguejeira, podem facilmente medir dois centímetros de comprimento.
Rick West, considerado o mais importante aracnólogo do mundo, disse, em entrevista exclusiva para este artigo, que essas duas espécies apresentam as mesmas medidas de tamanho, porém a brasileira é mais pesada. Segundo o especialista, “as caranguejeiras são, de modo geral, tímidas e evitam o ser humano, apesar de poderem ser, eventualmente, agressivas”.
Na dieta dessas aranhas é comum encontrar pequenos morcegos, lagartos, camundongos, insetos grandes, e aves de pequeno porte — daí a justificativa do título de comedora de pássaros.
Aranhas de 25 anos
Nas caranguejeiras, o movimento das quelíceras é de cima para baixo, como um furador de papel: são denominadas Orthognathas. Além disso, possuem dois pares de pulmões e as glândulas de veneno ficam totalmente dentro do segmento das quelíceras, diferente das Araneomorphae, nas quais as quelíceras movimentam-se de lado, como uma pinça (Labdognathas), e, cujas glândulas ocupam parte do prossoma (região da zona cefálica e toráxica), além de possuírem apenas um par de pulmões.
Outra curiosidade a respeito das caranguejeiras é que as fêmeas vivem cerca de 25 anos, dependendo da espécie e, enquanto outras aranhas param de realizar ecdise (que é a troca do exoesqueleto) na idade adulta, as migalomorfas fêmeas continuam a trocar de “pele” uma vez ao ano, em intervalos irregulares.
Tarântulas
Da mesma forma que outras aranhas da família Theraphosidae, a caranguejeira também é conhecida como tarântula, principalmente na cultura popular. Esse hábito, considerado um erro, tem sua origem na Idade Média: no século XIV, nas proximidades da cidade de Taranto, na Itália, houve uma epidemia de acidentes com Lycosa tarentula, a aranha-lobo.
As vítimas da picada apresentavam dor intensa, sudorese, espasmos musculares, palpitações e náuseas. Dizia-se que essas pessoas sofriam de “tarantismo”. Segundo o folclore local, o único tratamento eficaz contra os acidentes com essa aranha era uma dança, conhecida como tarantela — que deveria ser prolongada até que o suor molhasse o corpo.
Atualmente, os aracnídeos do gênero Latrodectus, que são as viúvas-negras, são considerados as verdadeiras tarântulas. O araneísmo (termo que designa acidentes causados por aranhas) por viúvas-negras pode causar a morte de vítimas humanas e animais de estimação. Mas esse não é o caso das caranguejeiras. Seu veneno, em geral, não tem efeito letal em gente, especialmente na América do Sul.
O veneno
Segundo a Organização Mundial de Saúde, quatro gêneros de aranhas apresentam espécies perigosas ao ser humano e, dentre eles, apenas um da subordem Mygalomorphae (caranguejeiras): o gênero Atrax, nativo da Austrália. Apesar de o Brasil possuir a maior diversidade de espécies de caranguejeiras do mundo, não há registros de acidentes humanos graves.
De acordo com registros do Instituto Vital Brasil, é comum as pessoas confundirem picadas de outros artrópodes com as das aranhas. Muitas vezes, o paciente não viu o que o mordeu e atribui os sintomas à picadas de caranguejeiras. Mas estudos realizados por pesquisadores dessa instituição revelaram que essas aranhas eram responsáveis por apenas 1% do total de araneísmos. Vale lembrar que a maioria dos acidentes com as migalomorfas ocorre porque a pessoa tentou pegar o animal.
Uma vítima de picada de caranguejeira pode sentir dor local moderada ou severa, forte coceira, edema, inchaço, eritema (vermelhidão na pele), ardência e até cãibras. Em casos muito graves a pessoa pode apresentar espasmos musculares fortes por várias horas: apesar de não ser letal, a picada de uma aranha migalomorfa traz experiências bem desagradáveis.
A dor causada pela picada se deve à perfuração da pele pelas quelíceras, ao baixo pH do veneno e às toxinas presentes nele, além de fluídos digestivos (enzimas) e ATP (Adenosina Trifosfato). Esse último componente torna o veneno mais potente, de acordo com pesquisas recentes, realizadas no exterior.
São poucos os cientistas que se interessam pelo veneno das caranguejeiras. Por isso, aos poucos, descobertas incríveis estão sendo feitas. Por exemplo, atualmente, existem pesquisas sobre a aplicação de venenos de caranguejeiras como bioinseticidas — já que os inseticidas químicos têm resultado em populações de insetos cada vez mais resistentes.
Cerdas urticantes
Apesar de as caranguejeiras causarem medo em muita gente, existem pessoas fascinadas por esses aracnídeos. Tanto, que gostam de tê-los como animais de estimação. É aí que mora o perigo, pois o risco de acidente é bem maior, especialmente para quem gosta de manuseá-las. Isso porque antes de desferir uma picada, as caranguejeiras usam uma arma bem mais eficiente, no sentido de afastar um possível agressor: as cerdas urticantes.
Uma caranguejeira, ao sentir-se ameaçada, esfrega suas pernas traseiras no abdômen, liberando esses “pelinhos”, que podem atingir os olhos e, também, entrar nas vias respiratórias do indivíduo que resolve manuseá-la. E as cerdas urticantes desse gênero de caranguejeira fazem um belo estrago, principalmente se a pessoa em questão tiver rinite ou algum tipo de alergia.
Essas estruturas podem penetrar em várias camadas da pele e do tecido ocular, causando sérias irritações. A morfologia das cerdas urticantes varia do tipo I ao IV. O primeiro tipo não penetra na pele, mas o terceiro entra numa profundidade de 2 milímetros, resultando em inflamações dermatológicas.
Um mamífero de pequeno porte (como rato, coelho etc) exposto às cerdas urticantes de uma Grammastola, por exemplo, pode sufocar em duas horas.
Caranguejeiras de luxo
Imagine uma aranha caranguejeira de cor azul bem vivo, com manchas claras no abdômen e no cefalotórax, formando desenhos, e com as articulações das pernas com pinceladas brancas, contrastando com o azul. Essa é uma das migalomorfas mais cobiçada por colecionadores e criadores desses aracnídeos, chamada Poecilotheria metallica.
Existem muitos outros exemplares maravilhosos, que parecem ter sido pintados à mão. A Hapalopus sp. exibe uma coloração de vermelho fogo, com o abdômen desenhado em preto; a Avicularia juruensis, tem um aspecto orvalhado em seu corpo rico em cerdas, e seus pés lembram sapatinhos cor-de-rosa.
Essas caranguejeiras, por exibirem belezas tão singulares, são vítimas de exploração no mercado negro. Muitas delas, inclusive, ainda nem foram descritas ou estudadas, como foi o caso da Avicularia diversipes. Ao estudar essa espécie, Rogério Bertani, pesquisador do Instituto Butantan, vinculado à Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, descobriu que antes de seu estudo pioneiro terminar, o comércio ilegal dessa caranguejeira arborícola nativa da Mata Atlântica, já se espalhava por oito países da Europa.
O pior é que nem há como os órgãos de fiscalização exercerem seu trabalho, uma vez que falta identificar e estudar várias espécies. Segundo esse pesquisador, a espécie descoberta por ele, já está ameaçada de extinção.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.