Topo

Modernismo no Brasil - a Semana de Arte - São Paulo e a 1ª geração modernista

Márcia Lígia Guidin, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

Na época da Semana de Arte Moderna, São Paulo estava se transformando rapidamente; era uma capital progressista, por causa do crescimento trazido pela economia; havia novos costumes, novas relações políticas, novas influências; havia tantos estrangeiros, tantos burgueses, tantos intelectuais se mobilizando que a Semana de Arte Moderna só podia mesmo ter acontecido nessa cidade - e não no Rio, que tinha sido, até então, o tradicional centro cultural do Brasil.

E aconteceu mesmo. Em fevereiro de 1922, três dias de intensas e escandalosas apresentações no moderníssimo Teatro Municipal de São Paulo foram suficientes para "escandalizar" a sociedade paulistana.

Num dos dias, Villa-Lobos sobe ao palco de casaco e chinelos para tocar suas composições modernistas: novo escândalo, pois se supôs que a unha encravada do maestro fosse uma atitude modernista e desrespeitosa para com a música clássica.

Um outro escândalo haveria de protagonizar o poeta Ronald de Carvalho, incumbido de declamar um poema, enviado por Manuel Bandeira, para o evento. Tal poema, "Os sapos", debochava ostensivamente do parnasianismo tão exaurido de Olavo Bilac:

[...]
O sapo-tanoeiro,P
arnasiano aguado,
Diz: - Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos
[...]

("Os Sapos")

Características da primeira geração do modernismo

Com se pode imaginar, a Semana não foi o exato início do modernismo, que já agitava São Paulo desde 1912/1915, mas foi o mais ruidoso momento em que se expuseram as novas ideias e posturas intelectuais, as quais viriam marcar todo o século 20.

O modernismo dessa primeira geração guerreira é, então, sobretudo um movimento contra tudo o que está instituído, o que é velho; os modernistas dizem "não" à arte artificial, cheia de rimas frias e sonetos perfeitos e vazios.

O poeta Carlos Drummond de Andrade, sabendo exatamente o que é essa liberdade, viria a escrever, logo a seguir:

Não rimarei a palavra sono
Com a incorrespondente palavra outono
Rimarei com a palavra carne
Ou qualquer outra, que todas me convêm.

As palavras não nascem amarradas
Elas saltam, se beijam, se dissolvem
No céu livre por vezes um desenho
São puras, largas, autênticas, indevassáveis.

"Consideração do poema" (A rosa do povo)

O espírito desses artistas era polêmico, original e debochado. Havia entre eles, como se vê, uma posição anárquica, cuja frase famosa de Mário de Andrade os justificava: "Não sabemos definir o que queremos mas sabemos o que não queremos!". Tinham de lutar para demolir a vida social brasileira, que consideravam colonial, antiga, lusitana. E havia, sobretudo, um nacionalismo intransigente, que viria a criar Macunaíma, de Mário de Andrade, ou a Poesia Pau-Brasil de Oswald:

Escapulário

No Pão de Açúcar
De Cada Dia
Dai-nos Senhor
A Poesia
De Cada Dia

Busca de originalidade

Foram esses artistas totalmente originais? Não, mas conseguiram levar para a poesia e para a prosa o vocabulário do cotidiano, conseguiram subverter a ordem sintática tão artificial da poesia parnasiana, escolheram novos temas e, principalmente, trouxeram a literatura para o momento presente, os fatos do presente para a literatura e a modernidade de se poder pensar a própria arte para fazer arte (metalinguagem).

Sem esses ingênuos e lutadores artistas, porém fabulosos modernistas de primeira geração, os escritores que vieram depois jamais seriam tão sólidos como foram. Na loucura desses moços, fundou-se no Brasil o que há de mais importante: estarmos passo a passo com a modernidade do mundo. Ou seja, eles eram livres e "internacionais". Como disse Mário de Andrade:

Leitor

Está fundado o Desvairismo.
Este prefácio, apesar de interessante, inútil.
[...]
Quando sinto a impulsão lírica escrevo sem
pensar tudo o que meu inconsciente me grita.
Penso depois: não só para corrigir, como para
justificar o que escrevi. Daí a razão deste


("Prefácio Interessantíssimo", 1922)