Modernismo no Brasil - a 3ª geração - Crítica social e metalinguagem
Depois do modernismo da Semana de Arte Moderna, em 1922 (1ª geração modernista), e do incisivo e duro modernismo de 1930, em que predominou o romance regionalista (2ª geração modernista), começam a se instalar, a partir de 1945/1950, novos rumos para a literatura brasileira.
A data é fundamental para o mundo todo porque corresponde ao término da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). O ano de 1945 foi especialmente importante para o Brasil literário, pois também é o ano da morte de Mário de Andrade - o grande artista, poeta e teórico do modernismo. Com sua morte, encerram-se, simbolicamente, as primeiras vanguardas que realizaram a Semana de Arte.
Além desses fatos, uma nova Constituição, a de 1946, estabelecia pactos sociais novos, tidos como modernizantes e mais justos para o país. Ou seja, o Brasil se modernizava, como, aliás, ocorria no mundo todo. E todos olhavam para os Estados Unidos, que crescia como potência.
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Poetas, prosadores e artistas em geral, ajustando-se ao mundo pós-guerra, já tinham total liberdade de usar as formas que quisessem e a temática que lhes parecesse mais adequada para interpretar a vida e o nosso país. Com tal liberdade, até a rima poderia voltar aos poemas - e voltou. Por que não?, diziam os poetas. E, embora esse retorno fosse uma espécie de retrocesso da forma, falava-se muito em desenvolvimento e progresso.
Os avanços sociais e tecnológicos pipocavam no mundo todo e (é compreensível) havia uma postura entusiasmada em todas as sociedades -norte-americana, europEia e japonesa: todas em reconstrução. É fácil entender, então, por que se volta a falar em "nacionalismo" e por que se volta a valorizar a arte regional e popular em todos os cantos.
Novos caminhos
No Brasil, a essa geração de escritores dá-se o nome de 3ª geração modernista. Esse início da segunda metade do século 20 tem um momento cultural muito rico, pois as produções literárias, marcadas por todas essas novidades, diversificavam-se; acabava o predomínio da poesia da 1ª geração ou da prosa (2ª geração). Gêneros literários convivem, são feitos experimentos temáticos e linguísticos, e muitos dos textos escritos para os jornais (as crônicas) começam a crescer e ganhar status de literatura.
Excelente momento esse, pois ao mesmo tempo em que a prosa (romance, conto) buscava caminhos para prosseguir, renovando brilhantemente as técnicas de expressão - como fizeram Guimarães Rosa e Clarice Lispector -, a poesia moderna encontrava ainda maior profundidade de temas, de preocupação social e investigação psicológica, com Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Cecília Meireles, João Cabral de Melo Neto, Vinicius de Moraes e outros.
Aliás, a poesia fez até mais crítica social do que a prosa durante o período entre 1945 e 1965. Veja, por exemplo, um trecho de "Carta a Stalingrado", em que Carlos Drummond de Andrade registra a dor pela guerra e a morte:
Stalingrado...
Depois de Madri e de Londres, ainda há grandes cidades!
O mundo não acabou, pois que entre as ruínas
Outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora,
E o hálito selvagem da liberdade
Dilata os seus peitos, [...]
(A rosa do povo, 1945)
Ou leia um trecho de seu poema posterior, "A bomba" (a bomba de Hiroshima), em que a própria palavra bomba - como ênfase na devastação da terra e das vidas - é repetida mais de 50 vezes:
A bomba
é uma flor de pânico apavorando
os floricultores
[...]
A bomba saboreia a morte com marshmallow
[...]
A bomba
não admite que ninguém se dê
ao luxo de morrer de câncer.
[...]
A bomba
É câncer.
(Lição de coisas, 1962)
Vinicius de Moraes, mesmo depois do fim da guerra, também se deteve no sofrimento mundial, mergulhando na imagem da "Bomba de Hiroxima". Esse poema (na verdade, uma letra de canção), todos nós conhecemos bem, musicado na voz de Ney Matogrosso:
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima [...]
(1962)
Muitos poetas fazem uso insistente da metalinguagem, que se manifesta junto com a preocupação social e política: para que serve a poesia, para falar de sentimentos ou do mundo exterior? A poesia é ou não a arte da palavra? No lindo "O poema", João Cabral de Melo Neto diz:
A tinta e a lápis
Escrevem-se todos
Os versos do mundo.
Que monstros existem
Nadando no poço
Negro e fecundo?
Como o ser vivo
Que é um verso,
Um organismo
Com sangue e sopro,
Pode brotar
De germes mortos?
[...]
(O engenheiro, 1943-1945)
E depois? O que vem?
São tantos os escritores importantes de 1945 em diante que, para cada um deles devemos dar atenção particular. Unidos pela época (guerra fria, bomba atômica, lutas raciais, EUA, (capitalismo), embora diferentes entre si, trouxeram à literatura brasileira da segunda metade do século 20 o intimismo, a visão crítica política, reflexões sobre a poesia e o mundo regional.
Muitos historiadores dizem que o mundo tal qual a história o conhecia deixou de existir a partir da década de 1950. Televisão, liberação feminina, eletrodomésticos novos, telecomunicações muito rápidas, urbanização maciça... Todo esse novo mundo estará vinculado à nova cultura de massa, não com a cultura letrada nem com a cultura popular.
Mas o que vai acontecer com a literatura? Tudo e nada ao mesmo tempo. Dizem que esse é o mundo pós-moderno. Mas essa já é outra história... E os escritores no Brasil participam dela. Enquanto isso, "repare" num trecho de Cecília Meireles, a poeta dessa geração que, já em 1938, era premiada pela Academia Brasileira de Letras:
Serenata
Repara na canção tardia
Que timidamente se eleva,
Num arrulho de fonte fria.
O orvalho trem sobre a treva
E o sonho da noite procura
A voz que o vento abraça e leva.
Repara na canção tardia
Que oferece a um mundo desfeito
Sua flor de melancolia.
[...]
(Viagem, 1939)
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