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Modernismo no Brasil - a 2ª geração - O Romance de 30

Márcia Lígia Guidin, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

(Material atualizado em 05/08/2013, às 12h08)

Depois da Semana de Arte Moderna, a ideia de "modernismo" - ou seja, de novas atitudes artísticas contra a arte encarada como artificial, contra tudo o que os escritores consideravam "velho"- parecia não ter sido absorvida e a literatura no Brasil parecia não ter mudado em nada.

Entretanto, alguns intelectuais de várias regiões começaram a manifestar-se: a verdadeira arte moderna devia retratar criticamente um Brasil mais abrangente, que mal se conhecia, cujas desigualdades sociais fossem retratadas com vigor num realismo próprio do século 20. A arte literária, segundo vários intelectuais, devia sair dos "salões aristocráticos de São Paulo", quer dizer, devia abandonar o contato apenas com o urbano, influenciado pelas vanguardas europeias.

O Romance de 30

Em 1926, ocorre um congresso em Recife e nele se encontram escritores do Nordeste; estes se dispõem, aos poucos, a fazer uma prosa regional consistente e participativa. É dessas primeiras manifestações que surgirá um dos momentos mais autênticos da literatura brasileira, o Romance de 30.

A data de 1930 é marcante porque consolida a renovação do gênero romance no Brasil, ou seja, traz novos rumos à prosa. Depois de tanta arruaça intelectual dos primeiros modernistas no Sudeste do país, procura-se atingir equilíbrio e estabilidade, que, aos poucos, vai aparecendo em obras e mais obras: O quinze, de Rachel de Queiroz (1930); O país do Carnaval, de Jorge Amado (1931); Menino de engenho, de José Lins do Rego (1932); São Bernardo, de Graciliano Ramos (1934); e Capitães da areia, de Jorge Amado (1937).

Esta nova literatura em prosa será antifascista e anticapitalista, extremamente vigorosa e crítica. Os livros didáticos a chamam com vários nomes: "Romance de 30" (porque é o início cronológico da nova literatura); romance neo-realista (porque essas obras conseguiram renovar e modernizar o realismo/naturalismo do século 19, enriquecendo-o com preocupações psicológicas e sociais) ou romance regionalista moderno (porque escapa das metrópoles e vai ao Brasil regional, preso ainda a antinomias dos séculos anteriores).

Lembremos, inclusive, que algumas obras sociológicas fundamentais surgem nessa mesma época: Casa-grande & senzala, de Gilberto Freyre, é de 1933, e Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Hollanda, de 1936.

De todos os nomes para essa época, o melhor parece ser o do título deste artigo. Por quê? Porque os romances de Rachel de Queiroz, Jorge Amado, José Lins do Rego, Érico Verissimo, Graciliano Ramos e outros escritores criaram um estilo novo, completamente moderno, totalmente liberto da linguagem tradicional, nos quais puderam incorporar a real linguagem regional, as gírias locais.

A consciência crítica

Mais do que tudo, através dessa "fala", consolidaram em suas obras questões sociais bastante graves: a desigualdade social, a vida cruel dos retirantes, os resquícios de escravidão, o coronelismo, apoiado na posse das terras - todos problemas sociopolíticos que se sobreporiam ao lado pitoresco das várias regiões retratadas.

Leia, por exemplo, um trecho de Vidas secas, de Graciliano Ramos:

Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos
[...]
Arrastaram-se para lá, devagar, Sinhá Vitória com o filho mais novo escanhacado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás.

Perceba a força narrativa com que o narrador descreve a cena cruel, de retirantes exaustos sob o sol, a família silenciosa e triste, com a qual ele se solidariza ("os infelizes"); ele e nós, os leitores. A lentidão proposital da narrativa é a superação difícil do caminho sob o sol (para onde vai quem não tem terras?) e a secura descritiva reproduz o silêncio dos que estão exaustos. Essa é a seca vida do herói - agora um anti-herói -, humilhado e vencido pelo meio hostil.

Esses romances foram fundamentais para o amadurecimento da consciência crítica e social do leitor brasileiro. Com eles, encontramos formas de compreensão do homem em várias faixas da sociedade brasileira e do determinismo que o persegue em situações adversas. É injusto pensarmos que esses romances mostraram apenas as "mulatas gabrielas" para o mundo exterior. As formas de narrar o cotidiano ficaram mais complexas e tensas.

Leia mais um trecho de Graciliano Ramos, não da história de Fabiano, mas da de Paulo Honório, que foi guia de cego e trabalhador de enxada, mas conseguiu conquistar, com violência e determinação, além da fazenda de São Bernardo, respeito, dinheiro e prestígio: virou um coronel. Teria sido um Fabiano que deu certo? Parece que não:

Cinquenta anos perdidos, cinquenta anos gastos sem objetivo, a maltratar-me e a maltratar os outros. O resultado é que endureci, calejei
[...]
Creio que nem sempre fui egoísta e brutal. A profissão é que me deu qualidades tão ruins.
[
...]
Não consigo modificar-me, é o que aflige.
[...]
A culpa foi minha, ou antes, a culpa foi desta vida agreste que me deu uma alma agreste.

A adesão ao socialismo impôs aos escritores da época, às vezes de forma radical, fórmulas de compreensão do homem em sociedade. Os romancistas, imbuídos do sentimento de missão política, queriam mostrar as tensões que transformavam ou destruíam os homens - aliás, um tema universal e sempre vivo na literatura.

Mas o fato é que sem os modernistas de 1922 (1ª geração), dificilmente os modernistas de 1930 (2ª geração) teriam conseguido o feito literário e social que obtiveram, porque aqueles foram os primeiros que provocaram a atualização da "inteligência" brasileira, foram eles que trouxeram para a literatura o fato não-literário e a oralidade, que tanto beneficiou o realismo seco dos escritores regionalistas, dando-lhes maior autenticidade.

Por outro lado, mesmo com os romances mais pitorescos e menos brutais, os leitores aprenderam, como nos ensina Alfredo Bosi (História concisa da literatura brasileira), que o velho mundo dos homens poderosos não acaba tão facilmente: as estruturas das oligarquias regionais se mantêm através do poder e da força, e é contra eles que se tem de lutar. Como nos conta Jorge Amado, ao final de Capitães da areia:

No ano em que todas as bocas foram impedidas de falar, no ano que foi todo ele uma noite de terror, esses jornais (únicas bocas que ainda falavam) clamavam pela liberdade de Pedro Bala, líder da sua classe, que se encontrava preso numa colônia.
[...] E no dia em que ele fugiu..., em inúmeros lares, na hora pobre do jantar, rostos se iluminaram ao saber da notícia. [...] Qualquer daqueles lares se abriria para Pedro Bala, fugitivo da polícia. Porque a revolução é uma pátria e uma família.

E a poesia, perguntará você? Deixou de ser feita nesses anos duros da seca? De jeito nenhum.. Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Mário e Oswald de Andrade, Cecília Meireles, Cassiano Ricardo, Murilo Mendes e outros poetas continuavam sua longa carreira lírica modernista.

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