A depressão na pós-graduação é um tabu, diz pesquisador da UFRN
O pesquisador Sérgio Arthuro leu um artigo na revista Nature e decidiu escrever um texto sobre depressão na pós-graduação. Em pouco tempo, a publicação ganhou repercussão nas redes sociais – até o último dia 10 já tinha quase 40 mil compartilhamentos no Facebook. E foi aí que ele percebeu a dimensão do problema. “Esse tema é um tabu!”, disse em entrevista ao UOL.
Arthuro é médico, neurocientista e faz pós-doutorado no Instituto do Cérebro e no Laboratório do Sono do Hospital Universitário Onofre Lopes, da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).
“Apenas escrevi um texto baseado em um artigo, mas acredito que teve uma enorme repercussão porque muita gente passou por esse problema e, apesar disso, ninguém fala sobre o tema. Infelizmente aqui no Brasil não se estuda, pesquisa ou discute isso”, disse. Arturo diz que não é especialista no tema e resolveu escrever, sem pretensão científica, inspirado nos anos de experiência no meio acadêmico.
De acordo com a pesquisa "Under a cloud: Depression is rife among graduate students and postdocs. Universities are working to get them the help they need", publicada na Revista Nature em 2012, os principais sinais de depressão são: inabilidade de assistir às aulas ou de fazer pesquisa, dificuldade de concentração, diminuição da motivação, aumento da irritabilidade, mudança no apetite, dificuldades de interação social e problemas no sono.
A pesquisa ainda aponta que não há números precisos sobre a quantidade de estudantes de pós-graduação com depressão, especialmente porque a maior parte não procura ajuda. Estudos indicam que as taxas de depressão dobraram entre estudantes da graduação nos Estados Unidos nos últimos 15 anos e a incidência de comportamento suicidas triplicou no período. Na Inglaterra, estudantes criaram a página Students Against Depression (Estudantes contra a Depressão), que reúne histórias de quem já passou pelo problema e dicas de como procurar tratamento.
“Acredito que os estudantes são atingidos, porque eles são o elo mais frágil da corrente. Se um orientador quiser parar de orientar um estudante, não vai acontecer nada com ele, que vai continuar ganhando o mesmo salário e tendo o emprego garantido. Já para o estudante, perder um mestrado ou um doutorado pode ser uma perda para o resto da vida profissional”, diz.
O pesquisador afirma que o orientador tem um papel fundamental para ajudar ou piorar a situação dos pós-graduandos com problemas. “Acho que o orientador deveria deixar muito claro, no começo do trabalho (mestrado e doutorado), o que ele quer do estudante e o que ele pode dar para o estudante, e os dois têm que entrar em um acordo. O problema é que a relação é muito assimétrica”.
Segundo Arthuro, são as três principais causas para a ocorrência de depressão na pós-graduação:
- O próprio nome “defesa” no caso do doutorado: "Tem coisa mais agressiva que isso? Defesa pressupõe ataque, é isso mesmo que queremos? Algumas pessoas vão dizer que os ataques são às ideias e não às pessoas. Acho que isso acontece apenas no mundo ideal, porque na prática o limite entre as ideias e as pessoas que tiveram as ideias é muito tênue. Mas pior é nos países de língua espanhola, pois lá a banca é chamada de 'tribunal'".
- Avaliações pouco frequentes: "Em vários casos, principalmente no começo do projeto, as avaliações são pouco frequentes, o que faz com que o desespero fique todo para o final. No meu caso, os últimos meses antes da 'defesa' foram os piores da minha vida, pois tive bastante insônia, vontade de desistir de tudo etc. Pior também foi ouvir das pessoas que poderiam me ajudar que aquilo era 'normal' e que 'fazia parte do processo'… Isso não aconteceu apenas comigo, mas com vários colegas de pós-graduação. Acho que para fazer ciência bem feita, como todo trabalho, tem que ser prazeroso, e acredito que avaliações mais frequentes podem evitar o estresse ao final do trabalho."
- Prazos pouco flexíveis: "Cada vez mais me é claro que a ciência não é linear, e previsões geralmente são equivocadas. Dessa forma, acredito que não deveria haver nem mestrado nem doutorado com prazo fixo. O pós-graduando deveria ter bolsa por 5 anos para desenvolver sua pesquisa, e a cada ano elaboraria um relatório sobre suas atividades e resultados. Uma comissão deveria julgar esse relatório para ver se o estudante merece continuar".
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