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Sem lugar para fazer a tarefa: Como vivem os estudantes "sem-teto" dos EUA

Professora trabalha com alunos do primeiro ano na escola primária Telfair, em Pacoima, California. Mais de um quarto dos alunos da escola não tem onde morar - Frederic J. Brown/AFP
Professora trabalha com alunos do primeiro ano na escola primária Telfair, em Pacoima, California. Mais de um quarto dos alunos da escola não tem onde morar Imagem: Frederic J. Brown/AFP

AFP

Los Angeles

18/03/2019 13h32

"Comida, um lugar onde dormir, algo para vestir: são coisas pelas quais uma criança de 7 ou 8 anos não teria com que se preocupar", disse José Razo, diretor de uma escola de Ensino Básico na periferia de Los Angeles.

No pátio eles são vistos brincando como os outros. Nada os diferencia, exceto um toque de preocupação em seus olhos. Pelo menos um em cada quatro estudantes é considerado "sem-teto".

Construída em 1945, mas com paredes recém-pintadas de bege, a Telfair Elementary é uma das escolas do distrito de Los Angeles com a maior população de crianças nessa condição.

Desses jovens, 98% são de origem latino-americana. E, na falta de recursos, mais da metade das famílias desses estudantes se amontoam em moradias compartilhadas com outras pessoas.

"Quando você é uma mãe solteira e ganha o salário mínimo, US$ 12 por hora em Los Angeles, mal dá para alimentar você e seus dois filhos", explicou Razo à AFP. "Alugar, mesmo um quarto, é muito difícil (...) então cada família ocupa um quarto com dois ou três filhos, que às vezes até dormem na sala", completou.

Cerca de 30% dos estudantes desabrigados moram em garagens, nem sempre equipadas com banheiros, uma realidade que não é novidade para Razo, que cresceu a um quarteirão da escola.

Uma minoria vive de motel em motel, e os mais desafortunados de Telfair dormem em carros, ou em abrigos.

É muito difícil viver nessas condições. Alguns estudantes acabam fazendo suas tarefas no banheiro, talvez o único lugar com alguma paz e privacidade para trabalhar.

"Ser pobre não é normal"

estudantes sem-teto - Frederic J. Brown/AFP - Frederic J. Brown/AFP
O distrito escolar de Los Angeles estima que 18 mil crianças não têm casa. A Califórnia é a quinta economia do mundo, mas tem um recorde na taxa de pobreza dos Estados Unidos, se o custo de vida for levado em conta
Imagem: Frederic J. Brown/AFP

Em Telfair, cerca de 160 alunos entram na categoria de desabrigados, mas o diretor estima que entre 10% e 15% não responderam corretamente ao questionário "por vergonha de sua situação" de rua.

De qualquer maneira, esta escola não é um caso isolado: o distrito escolar de Los Angeles estima que 18.000 crianças não têm casa.

A Califórnia é a quinta economia do mundo, mas tem um recorde na taxa de pobreza dos Estados Unidos, se o custo de vida for levado em conta.

"Temos que quebrar o ciclo da pobreza", disse Razo.

"Como fazemos isso? Eu lhe conto a minha história: você pode ser pobre agora, mas você não será mais. Ser pobre não é normal", acrescentou o ex-marine.

Para Razo, hoje com 44 anos, escapar da pobreza começa por ir à escola, e essa é a mensagem que repete sem parar.

"Você pode perder sua casa, você pode perder seu trabalho, mas há duas coisas que ninguém pode tirar de você: sua vontade e seu diploma", insistiu.

Além de três refeições durante o dia, a equipe educacional também investe tempo e dinheiro para ajudar as crianças.

"Os mestres são também trabalhadores sociais, enfermeiras, psicólogos e pais", disse Razo, destacando que, às vezes, trabalham até 12 horas por dia.

Em meados de fevereiro, o diretor e um professor levaram dez dos estudantes mais pobres a uma feira organizada por uma ONG que lhes entregou mochilas, roupa, sapatos e livros. As crianças recebem os objetos com brilho no olhar.

Séria e reservada, Kaila disse à AFP - quase repetindo uma lição - que os livros eram seus preferidos, "porque a leitura é o mais importante".

O pequeno Ángel não tira os olhos de seu tênis preto, que quer usar sempre.

"Os sapatos são indispensáveis", brincou Razo ao ver o menino passar.

E, na verdade, são mesmo. Alguns de seus alunos faltaram à escola, porque "estava chovendo e os sapatos tinham poças". De seu bolso, ele os comprou novos.