Menos apoio, mau humor, força à oposição: impactos ao governo dos protestos
Cidadãos de todas as regiões do país foram às ruas ontem protestar contra o bloqueio de verbas na educação proposto pelo governo. Os atos marcaram a primeira grande manifestação nacional na gestão de Jair Bolsonaro (PSL).
As atividades foram registradas nos 26 estados, além do Distrito Federal. Em grandes capitais, como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Recife, protestos foram do início da tarde ao meio da noite. No mesmo dia, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, esteve na Câmara dos Deputados para falar dos cortes.
Para especialistas, o fato de o movimento ter sido nacional é um sinal de alerta para o governo. Além disso, avaliam ainda, essas manifestações criam um clima de incerteza e fragilizam politicamente o Poder Executivo.
"O governo chegou a um ponto muito arriscado, semelhante ao que [a ex-presidente] Dilma Rousseff passou em 2013 [durante os protestos de junho]. Em apenas cinco meses, Bolsonaro já criou problemas com a classe política, teve queda na sua popularidade e, por fim, irritou a sociedade até ela ir às ruas", avalia Rodrigo Prando, cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Segundo o analista, a mensagem de insatisfação é clara e não pode ser reduzida a um nicho. "Ali tem estudantes, pais de alunos, professores e membros de toda a sociedade, não dá para falar que é só sindicato e pessoas da esquerda", afirma Prando. O presidente classificou os protestos como algo "natural" e disse que "a maioria ali [nas manifestações] é militante".
Para Claudio Couto, cientista político da Faculdade Getúlio Vargas (FGV-SP), os protestos são um "sintoma de um governo que não é capaz de dialogar com a sociedade".
"Ele toma decisões autocráticas, impostas sem qualquer tipo de interlocução, e isso fez acender as ruas. É uma resposta a um governo que está uma balbúrdia", afirma Couto. "Balbúrdia" foi o termo usado por Weintraub para classificar a atividade de algumas universidades federais, o que teria motivado os cortes. "Dessa forma, ele se desgasta, acaba perdendo apoio político e se deslegitima."
Compromete a nova Previdência?
"Não podemos esquecer o que aconteceu no Brasil nos últimos anos. Os deputados com certeza estão prestando atenção nos protestos para depois mensurar o apoio [que vão dar ao governo]", afirma Prando.
Não há nada que um político tema mais do que as reações das ruas
Rodrigo Prando, cientista político
Segundo o professor, reações como esta, caso voltem a acontecer, podem comprometer até as negociações da Reforma da Previdência, principal bandeira do governo no Congresso em discussão atualmente.
"Os deputados saem fortalecidos deste entrave, pois eles não vão olhar esta mensagem como algo simples. A oposição vai começar a atuar, porque até então foi uma notória ausente e, a depender da manobra dos parlamentares, a reforma entra em risco", afirma Prando. "Este governo é dos piores articuladores que já vi e, quando se tem uma situação dessa [de protestos nas uras], o capital diminui ainda mais."
"Os protestos acabam atraindo o apoio de setores que poderiam estar em dúvida. Vai alterando o clima, o humor. As ruas são uma das várias frentes, agora tem de ver a reação das instituições", afirma Couto, ressaltando que falta "manejo" ao governo.
O cientista político dá como exemplo a confusão do governo com sua base aliada na última terça-feira (14), quando líderes do PSL afirmaram que o presidente havia determinado ao ministro Weintraub que não fizesse o corte. Menos de uma hora depois, a Casa Civil negou o recuo --o que acabou causando desconforto entre a base do próprio governo.
Bolsonaro conseguiu arruinar a lua de mel mais rápido do que qualquer governo na história da nossa República
Claudio Couto, cientista político
"Quando o governo age assim, ele rifa seus próprios membros. Não bastassem as brigas intestinas, como a de olavistas contra militares, ainda tem esse tipo de situação criada por eles mesmos", avalia Couto. "No Legislativo, o momento já é frágil. E ele ainda joga a liderança [do governo] aos leões? Como se tem sustentação dessa forma?"
"Idiotas úteis": Bolsonaro não sabe lidar com crises
O presidente passou a tarde da quarta em Dallas, no estado americano do Texas, onde foi receber uma homenagem. Ao ser indagado sobre as manifestações, Bolsonaro afirmou que os manifestantes são "idiotas úteis" e "massa de manobra", inflamando ainda mais os protestos.
A atitude gerou repercussão rápida na internet e até na Câmara, que não avaliou bem as declarações. Para especialistas, a fala é mais uma prova de que governo não sabe lidar com crises nem dialogar com opiniões divergentes.
"Isso mostra uma falta de habilidade. Parece com o que o [ex-presidente Fernando] Collor fez, quando pediu para as pessoas irem às ruas de verde e amarelo e elas foram de preto. Ele só está atiçando o brio do manifestante", afirma Couto. "É uma tática que eu acho difícil funcionar."
"Ele assume pautas ideológicas em vez de lidar com pautas de administração", avalia Prando. "Este é um pilar da incapacidade do governo de fazer política. Bolsonaro joga gasolina no incêndio: não apresenta o mínimo de traquejo para lidar com a situação nem o mínimo de humildade para entender o que está acontecendo."
As coisas aparentemente não vão se assentar tão cedo. A UNE (União Nacional dos Estudantes) já convocou uma nova manifestação nacional para o próximo dia 30 e há outro marcado para junho.
Segundo Prando, os protestos não são uma fotografia, parada em um momento. Eles são parte de um filme dos cinco meses de governo. Uma película que, segundo ele, o Executivo não gostaria de assistir.
"Ele conseguiu, à maneira de Dilma Rousseff, conjugar o mau humor de vários setores da sociedade. As manifestações são só uma parte, mas ainda há a inabilidade política, os problemas administrativos", explica o analista. "Isso tudo pode determinar uma crise muito grande. O humor dos políticos já não está dos melhores."
Couto concorda. "Está num ponto crucial. Ele precisaria mostrar uma mudança de conduta, de posicionamento, mas, pelo que vimos até então, é difícil acreditar que ele note a necessidade de mudar de rumos."
Como exemplo, o professor da FGV cita um protesto de policiais que está sendo organizado em Brasília para o próximo dia 21. "Se fossem índios, sindicatos, estudantes, ele poderia usar argumentos político-ideológicos, mas vai falar que os policiais são comunistas? É a base dele", diz Couto.
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