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Com atraso, Brasil se aproxima de meta de alfabetização de 2015

Danilo Verpa/Folhapress
Imagem: Danilo Verpa/Folhapress

Ana Carla Bermúdez e Carlos Madeiro

Do UOL, em São Paulo e colaboração para o UOL, em Maceió

15/07/2020 10h00

Resumo da notícia

  • Com atraso, Brasil se aproxima de cumprir meta estabelecida pelo PNE
  • Objetivo era que, em 2015, taxa de analfabetos fosse menor do que 6,5%
  • Só em 2019, no entanto, o país chegou a um percentual de 6,6%
  • Mais da metade dos analfabetos no país são idosos, aponta pesquisa; há também desigualdades raciais e regionais
  • Ao todo, o Brasil tem 11 milhões de analfabetos

O Brasil se aproxima de cumprir uma meta de alfabetização estabelecida pelo PNE (Plano Nacional de Educação), mas com quatro anos de atraso. Em 2019, a taxa de brasileiros com 15 anos ou mais que não sabia ler ou escrever um bilhete simples ficou em 6,6% —percentual que fica próximo dos 6,5% que deveriam ter sido cumpridos em 2015, mas que ainda não chega a esse objetivo.

Os dados fazem parte da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) Contínua Educação 2019, divulgada hoje pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Segundo a pesquisa, o país ainda tem 11 milhões de analfabetos, apesar de pouco mais de 200 mil pessoas terem deixado essa estatística de 2018 para 2019.

"Estamos muito próximos da meta [do PNE], só que era para ela ter sido alcançada em 2015. Chegamos em 2019 com 0,1 ponto percentual abaixo desse alvo", diz Adriana Beringuy, pesquisadora do IBGE.

Em meio a esse atraso, o Brasil tem um desafio ainda maior à frente: a erradicação do analfabetismo, prevista pelo PNE para acontecer até 2024 —isto é, daqui a outros quatro anos. Para isso, no entanto, será preciso enfrentar uma série de desigualdades etárias, raciais e regionais.

A maior quantidade de analfabetos está na população com mais de 60 anos. São quase 6 milhões de pessoas idosas nessa condição —o que equivale a uma taxa de analfabetismo de 18%, quase três vezes mais do que o observado para a população com mais de 15 anos. O percentual é o mesmo para homens e mulheres.

É o caso da sertaneja Maria do Socorro Brito Moreira, 66, que mora em Quixadá (CE). Ela conta que começou a estudar mas, na década de 1960, por conta de um problema de saúde, deixou a escola. Hoje, a aposentada sabe apenas assinar o próprio nome.

"Eu comecei a estudar, mas eu tive uma doença séria em um nervo. Quando adoeci, estudava no colégio José Jucá, mas precisei internar por muito tempo. Eu era nova, e o médico disse que eu não podia voltar à escola tão cedo", conta.

Moradora de Quixadá (CE), a sertaneja Maria do Socorro Brito Moreira, 66, abandonou a escola por problemas de saúde e hoje é analfabeta - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Moradora de Quixadá (CE), a sertaneja Maria do Socorro Brito Moreira, 66, abandonou a escola por problemas de saúde e hoje é analfabeta
Imagem: Arquivo pessoal

Após ter alta, ela afirma que se sentiu constrangida ao voltar às aulas. "Aí, não fui mais para a escola. Eu tinha até vergonha dos outros tão pequenos e eu tão adulta. Naquela época era o tempo da ignorância, não era como hoje", conta ela, que ainda tem um problema na perna e precisa andar de bengala até mesmo dentro de casa.

Depois de adulta, ela conta que chegou a ter vontade em alguns momentos, mas nada a fez voltar aos estudos para aprender a ler e escrever. Hoje, admite não ter mais estímulo para se alfabetizar. "Realmente eu me desinteressei. Eu cheguei ainda a comprar umas cartilhas, ficava soletrando dentro de casa, mas dá logo uma perturbação na cabeça, e eu vou e deixo", admite.

O analfabetismo cresce à medida que se coloca uma lupa sobre os grupos de pessoas mais velhas, mostram os dados da Pnad. Se a taxa é de 6,6% para brasileiros com 15 anos ou mais, ela chega a 7,9% para a população com 25 anos ou mais e a 11,1% para aqueles com 40 anos ou mais, até finalmente alcançar 18% entre os brasileiros com mais de 60 anos.

A pesquisadora do IBGE defende a necessidade de políticas públicas focadas para esse grupo etário. "O processo de alfabetização nos grupos mais velhos requer um esforço maior", afirma Beringuy, que destaca: "Mais da metade [dos analfabetos] está nesse contingente de pessoas com mais de 60 anos, que ao longo da vida tiveram uma trajetória educacional prejudicada".

Desigualdades regionais e raciais

Entre os idosos, a taxa de analfabetismo é ainda maior considerando aqueles que se identificam como pretos ou pardos, chegando a 27,1%. Para pessoas brancas do mesmo grupo etário, o percentual é de 9,5%.

"Isso pode estar relacionado a diversos fatores, sejam financeiros, sejam relacionados à própria estrutura de vida que essas pessoas têm, que muitas vezes são as que mais precisam abandonar os estudos para trabalhar", afirma Beringuy.

Um indicador de abandono escolar trazido pela pesquisa mostra que, entre os jovens de 14 a 29 anos que não completaram o ensino médio, 71,7% são pretos ou pardos.

Já com taxas elevadas de analfabetismo, o Nordeste foi a única região do país a não apresentar queda no percentual de pessoas com 15 anos ou mais que não sabem ler ou escrever.

De 2018 para 2019, esse índice passou de 13,87% para 13,90% na região. No Norte, por exemplo, a taxa caiu de 7,98% para 7,60%.

Entre as regiões brasileiras, o Nordeste tem também a maior taxa de analfabetismo, que é quatro vezes maior que os índices observados no Sul e no Sudeste, ambos com 3,30%.

Em 2019, a média de anos de estudo dos brasileiros de 25 anos ou mais foi de 9,4 anos. As menores médias regionais estão no Norte (8,9) e no Nordeste (8,1). O Sudeste teve a maior média, que chegou a 10,1 anos.

Há ainda diferenças entre homens e mulheres. Entre elas, o número médio de anos de estudo foi de 9,6 anos, enquanto para os homens foi de 9,2 anos.