Não me sinto preparada, diz aluna do 3º ano que desistiu de fazer Enem
Há quase um ano e meio assistindo apenas a aulas remotas, sem contato direto com professores e os colegas, a estudante Thays Vitória de Sena, 17, preferiu não se inscrever no Enem 2021. Ela diz acreditar que não aprendeu "nem 40% do que deveria" no último ano.
"Não me sinto preparada para fazer o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio] e, além disso, mexe com o nosso psicológico, porque me sinto fracassada, mexe com meu futuro", desabafa. Thays tinha planos de usar a nota do exame para entrar no curso de cosmetologia estética. Atualmente, ela já trabalha na área, mas sonha com a formação superior.
Thays não está sozinha na decisão de desistir da prova deste ano. Segundo o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), 4 milhões de pessoas se inscreveram para fazer o exame em 2021, destes, 100 mil farão a versão digital. É o menor número de inscritos desde 2008, quando o Enem não era usado ainda como porta de entrada para o ensino superior.
No ano passado, o número de inscritos foi superior, 5,7 milhões, mas foi a edição com maior abstenção desde 2009, também em meio à pandemia. No Enem digital, o índice chegou a 70% e no impresso, a 50%.
Razões para a desistência
Além da percepção dos estudantes de despreparo para o exame, a falta de garantia de isenção para quem faltou na edição passada por medo da covid-19 ou quem não tem recursos para pagar a taxa de R$ 85 são alguns dos motivos para baixa adesão, segundo especialistas e servidores do MEC (Ministério da Educação) e Inep.
Para Claudia Costin, diretora do Ceipe (Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais) e ex-diretora de educação do Banco Mundial, esses motivos somados com o fechamento das escolas resulta no baixo número de inscritos.
"Quem vai acabar prestando, na maioria, são aqueles que tiveram continuidade dos estudos porque tinham as ferramentas necessárias, alunos de famílias de classe média e alta, além dos estudantes de escolas particulares", diz Costin.
O estudante Jael Rocha, 16, ia fazer o Enem como teste, mas ao ver a taxa de inscrição desistiu de concluir o cadastro. "Me sinto mal, porque sei que no futuro isso vai me afetar bastante", conta.
Costin aponta também que o número de inscritos pode ser ainda mais baixo, já que muitos jovens podem não conseguir realizar o pagamento da taxa até esta segunda-feira, dia de vencimento do boleto.
Um dos papeis das redes e dos professores é engajar esses jovens para que façam o Enem. É preocupante o cenário de jovens desengajados, porque isso constrói um futuro triste, já temos visto que essa geração é conhecida como a geração covid e a geração que teve grandes perdas de aprendizagem"
Claudia Costin, especialista em Educação
A FPME (Frente Parlamentar Mista da Educação) avalia a queda no número de inscritos como "uma tragédia anunciada". Para os parlamentares, o número de assemelha ao total de inscritos que faltaram na edição de 2020.
"Apesar dos esforços da Frente, vários estudantes ficaram sem a isenção. Sem a possibilidade de arcar com os custos, eles foram impedidos de se inscrever no exame, ficando mais distantes do acesso à educação superior num momento de agravamento da diminuição de renda das famílias brasileiras", disse, em nota a frente de congressistas.
Estudante de pedagogia ajuda jovens a pagar taxa de inscrição
Pensando em ajudar pessoas de escolas públicas ou de baixa renda, o estudante de pedagogia, Walisson Vitorio Barbosa, 24, começou a juntar dinheiro para pagar o boleto de quem não tem condições. "Vi um amigo no Twitter falando que não tinha sido aprovado na isenção e não ia fazer o Enem. Falei com ele e ajudei a pagar, mas depois vi que muita gente não tinha conseguido por vários outros motivos e comecei a juntar dinheiro com outros colegas", conta.
Ao todo, Walisson e os amigos juntaram R$ 2.000. "Dou aula em pré-vestibular social e tenho noção da importância desse dinheiro, que faz falta na vida da pessoa", diz.
Desempregado, Genário Souza, 21, foi beneficiado com a ajuda do estudante de pedagogia. Ele recebe R$ 200 por mês por cobrir as folgas de funcionários em um restaurante e teve a isenção negada por não comprovar sua falta no Enem 2020. "Ia mandar para o [presidente Jair] Bolsonaro um vídeo que estava trabalhando? Não tinha como deixar de ir, precisava do dinheiro", afirma.
Ele sonha em cursar recursos humanos na Universidade Federal da Bahia e acredita que agora está mais próximo do seu sonho. "Tenho um pouco de dificuldade em redação, mas o Walisson disse que vai tentar me ajudar. Além de fazer a prova, preciso ir muito bem", diz.
Agora, Walisson tem procurado outras pessoas para ajudar no pagamento da taxa até segunda-feira.
Oferta de bolsas ProUni é a menor desde 2013
Levantamento da Frente Parlamentar apontou uma redução de quase 30% nas bolsas do ProUni (Programa Universidade para Todos), do governo federal. No ano passado, o programa ofertou 420,3 mil bolsas, já em 2021 foram 296,3 mil oportunidades.
Só em 2013, segundo o levantamento, houve uma oferta de vagas com número tão abaixo, 252.399 bolsas.
"O que estamos, vendo do ponto de vista da entrada dos estudantes no ensino superior, é um retrocesso. No caso do Enem, para 2009. No ProUni, para 2013. É, infelizmente, uma tragédia anunciada", afirma o presidente da Frente, o deputado federal Israel Batista (PV-DF).
Os estudantes que participam do ProUni podem receber bolsas parciais ou integrais em cursos de graduação em universidades privadas. Para participar, não pode ter diploma no ensino superior e precisa ter participado do Enem mais recente e obtido, no mínimo, 450 pontos. O estudante não pode ter zerado na redação também.
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