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Contrariando retomada, São Roque prevê volta de aula presencial só em 2022

Prefeitura de São Roque havia prometido retorno presencial para outubro, mas voltou atrás - Redes sociais/Prefeitura de São Roque
Prefeitura de São Roque havia prometido retorno presencial para outubro, mas voltou atrás Imagem: Redes sociais/Prefeitura de São Roque

Ana Paula Bimbati

Do UOL, em São Paulo

08/11/2021 04h00

A Prefeitura de São Roque, no interior de São Paulo, foi na contramão das regras determinadas pelo governo de São Paulo para o retorno das aulas presenciais —e de atividades comerciais e de serviço— e decidiu retomar as atividades nas escolas municipais apenas em 2022. Os alunos das redes privada e estadual já voltaram às unidades de ensino.

O governo de São Paulo determinou a presença obrigatória a partir de 18 de outubro nas escolas estaduais e privadas do estado —há exceções para estudantes com comorbidades e gestantes. Além disso, o estado autorizou desde 3 de novembro o fim do distanciamento de 1 metro entre os alunos.

A exigência vale para todas as redes de ensino em cerca de 400 das 645 cidades paulistas, que não têm Conselho Municipal de Educação e, por isso, as atividades escolares são reguladas pelo conselho estadual. No caso de São Roque, existe um conselho local e a prefeitura decidiu postergar a retomada das atividades presenciais nas unidades municipais.

A Secretaria Estadual da Educação informa que não há um levantamento de quantos municípios cumpriram ou não cumpriram o prazo para retorno das atividades presenciais, mas afirma que todas as escolas estaduais estão recebendo os estudantes. O governo estadual diz que 97% dos profissionais da rede estadual já tomaram as duas doses da vacina contra covid-19.

Em São Roque, há pais preocupados com a demora para a retomada das atividades presenciais. A dona de casa Aline Prestes da Rosa Cerqueira, que tem uma filha de 7 anos, diz não entender como outras atividades como bares, restaurantes e "até balada" já funcionam na cidade, mas as escolas municipais não (leia mais abaixo).

A gente não sabe ensinar do jeito que o professor ensina e minha filha chorava todo dia porque não entendia a lição, nem a explicação que eu tentava dar."
Aline Prestes da Rosa Cerqueira, dona de casa

Em setembro, São Roque informou que as atividades presenciais nas escolas retornariam em 18 de outubro, após mais de um ano e meio de escolas fechadas. No fim do mês, no entanto, a prefeitura voltou atrás.

A justificativa, na época, era a "perspectiva de aumento significativo de casos de contaminação do coronavírus devido à variante delta". Procurada pelo UOL, a gestão Guto Issa (Podemos) disse que "para preservar a saúde dos profissionais da educação e dos alunos", decidiu pelo retorno apenas em 22 de janeiro de 2022.

Estudos e pesquisas apontam o prejuízo de manter as escolas fechadas. O Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) recomenda, por exemplo, que as escolas deveriam ser as últimas a fecharem e as primeiras a reabrirem.

Dados do fundo mostram que o Brasil deve regredir duas décadas na aprendizagem dos alunos com o fechamento das escolas. Uma pesquisa feita pela Secretaria Estadual da Educação apontou que um aluno do 5º ano perdeu habilidades que já havia aprendido e tem um desempenho pior em Língua Portuguesa e Matemática com 10 anos do que quando tinha 8 anos.

'Diálogo' e críticas

São Roque fica a cerca de 60 km de São Paulo e, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), tem a população estimada em 93 mil habitantes.

Ao todo, a rede municipal conta com 12.274 alunos. Todos os profissionais da Educação da cidade já receberam as duas doses da vacina contra covid-19 e, segundo a prefeitura, 98% da população já recebeu a primeira dose e 70% terminou o ciclo vacinal.

A prefeitura garante que a decisão de retomar as aulas só em 2022 foi tomada após "amplo diálogo com membros da sociedade civil, entidades de classe e Câmara Municipal".

Segundo boletim da cidade, São Roque registrou, até a semana passada, mais de 7 mil casos de covid e 200 mortes em decorrência da doença. Até quarta-feira (3), o município tinha dois pacientes internados com suspeita de coronavírus e dois confirmados.

Nas redes sociais, a prefeitura tem usado o tema de volta às aulas para contar que tem feito reformas nas unidades escolares. Os usuários criticam, dizendo que isso deveria ter sido feito em meses anteriores. Questionada pelo UOL há uma semana, a administração municipal não comentou as queixas.

Em nota, a Secretaria Estadual de Educação disse que "sempre manteve contato" com os municípios para manter as escolas abertas, "principalmente para auxiliar os alunos de situação vulnerável, que no caso precisassem do uso de tecnologia e também que dependem da merenda no seu dia a dia, como complemento da refeição".

Fica difícil de entender, diz mãe de aluna

A dona de casa Aline já enxerga os prejuízos que a filha Brenda, 7, acumula por estar fora da escola há quase dois anos. "Essa é uma situação péssima e fico triste, porque ela saiu do parquinho [Educação Infantil] escrevendo o nome e hoje só consegue escrever se eu soletrar as letras", disse.

Brenda está no 2º ano do ensino fundamental 1, no período de alfabetização, mas ainda não sabe ler. As atividades impressas foram as únicas tarefas escolares que fez ao longo da pandemia. "Tenho apenas um computador em casa, que fica com a minha filha mais velha, que faz o Ensino Médio e técnico junto", contou Aline.

Mariana, de 5 anos, não chegou a conhecer nem mesmo sua escola, segundo sua mãe Tatiane - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Mariana, de 5 anos, não chegou a conhecer nem mesmo sua escola, segundo sua mãe Tatiane
Imagem: Arquivo pessoal

Para a auxiliar de odontopediatria Tatiane Squilaro, a decisão da prefeitura não faz sentido.

"No início a gente entende, porque tudo fechou. Mas veio a vacina, as escolas estaduais e particulares voltaram, shoppings abertos, fica difícil entender", afirma a auxiliar de odontopediatria.

Sua filha, Mariana, 5, não chegou a conhecer nem mesmo sua escola nesse período e, segundo Tatiane, ela só tem feito atividades enviadas pelo Whatsapp pelas professoras.

É difícil, porque ela sente falta de ter contato com outras crianças e não entende já que vê outras crianças indo para escola. O primo dela estuda na particular, por exemplo."
Tatiane Squilaro, mãe da Mariana

A auxiliar de odontopediatria também criticou as mudanças nas datas para o retorno. "No último anúncio da prefeitura, comprei uma lancheira para ela, um porta-máscara e estávamos bem esperançosas, mas eles adiaram. Agora, ela nem quer fazer as atividades, porque já disse que a escola só volta no ano que vem", conta Tatiane.

Aline disse que pretende pedir para a escola de Brenda repetir a filha de ano. "Ela não tem todas as aprendizagens que uma criança do 3º ano precisa e não quero que ela sofra ou cobrem um conteúdo, que ela não teve culpa."