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Professora diz que observa "festas e cantorias" para ensinar indígenas

Mariana Tokarnia

Da Agência Brasil, em Brasília

15/10/2013 10h07

O sol nasce e Herminia Wôôpar Krahô já está de pé. Ela passa o café, toma banho e às 7h cruza o centro da aldeia até a escola. Às 7h30, o sino chama os estudantes, de 4 a 10 anos. Logo, as carteiras ficam cheias de kraré, como são chamadas as crianças pelos indígenas da etnia Krahô na Serra Grande, uma das 27 aldeias que formam a Kraolândia, no nordeste do Tocantins.

Única professora indígena, dos quatro que ensinam na região, Wôôpar estudou em Paraíso do Tocantins (TO), a 63 quilômetros da capital Palmas. Começou a lecionar em maio de 2010 quando o antigo professor, também indígena, deixou a escola.

“Ele não tava cuidando bem”, diz a professora, que ainda não concluiu o curso superior. O conteúdo é todo na linguagem dos mehin - como chamam a si mesmos. É com Wôôpar que os pequenos aprendem a ler e escrever. “Tudo na língua [krahô], eu não ensino o português”, explica.

A aula dura cerca de uma hora e os alunos são dispensados. Alguns não aguentam até o fim, saem para brincar. Outros esperam o lanche, servido na escola, quando tem merenda. À tarde, os alunos cuidam da tarefa. “Pra mim, [dar aula] é muito importante. Devagar eu vou aprendendo mais”, diz a professora.

Ela se orgulha de ver que alguns alunos já estão conseguindo ler e escrever. Dentro de casa, incentiva o filho Gabriel Ihôjawên Krahô, de 12 anos. “Estudar é importante”, reforça. 

A escola de Serra Grande tem duas salas de aula que atendem às 17 famílias que moram no local. Os pais costumam assistir uma ou outra aula dos filhos, para acompanhar o aprendizado. No turno oposto, a escola oferece educação para os adultos. Wôôpar era uma dessas alunas, mas resolveu se dedicar ao preparo das próprias aulas. Ela busca capacitação nos materiais didáticos distribuídos e em conversas com os outros professores.

A formação inicial e continuada de professores indígenas em nível superior, a produção de material didático específico em línguas indígenas, bilíngues ou em português cabe ao Ministério da Educação, que também oferece apoio político-pedagógico e financeiro às escolas indígenas.

Em Serra Grande, o autor do material usado em sala de aula é o indígena Renato Yahé Krahô. O livro é usado pela professora Luana Barbosa Pimentel, que mora em Alto Lindo (TO), cidade próxima à terra indígena.

Ela dá aula do 1° ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio, os alunos se misturam e tem entre 7 e 20 anos. Ensina história, geografia, português. E, mais recentemente, cultura, saúde e educação indígena.

Para essas disciplinas, além do material didático, muito do que leva para a sala de aula aprende também na própria aldeia. “Eu observo as festas, as cantorias”, conta.

Luana passa a semana na aldeia, dormindo na escola. No fim de semana, sai e enfrenta mais de quatro horas de estrada de chão para ver o namorado. “É um pouco difícil para ele, mas tem que aceitar”.

Para ela, trabalhar com os indígenas é um sonho de criança. “Eles precisam de alguém que venha de fora da aldeia, que ajude com a língua e com outras relações que são diferentes na cidade e que eles não entendem”.

Em Serra Grande, pelo menos uma vez por mês os indígenas vão às cidades próximas, como Itacajá (TO) ou Goiatins (TO), para fazer compras com o benefício do Bolsa Família. Alguns têm também um emprego na cidade. A relação com os kupen (os não indígenas) está presente no cotidiano. O português e a matemática são necessários.

Luana diz que muitos querem continuar na aldeia, mas há também a vontade de seguir estudando, fazer uma faculdade. “Tem indígenas que estão fazendo faculdade em Itacajá. Muitos fazem magistério”, relata a professora, que começou a dar aula em 2010 e concluiu o curso superior este ano, aos 25 anos.

A experiência é positiva também para Vitor Aratanha, professor desde 2012 em outra aldeia krahô, Pedra Branca. Vitor trabalha com a etnia há cinco anos. Antes de ser professor, era funcionário da Fundação Nacional do Índio (Funai).

“A educação é um caminho mais profundo para se conseguir outra formação e poder ajudar um pouco na história deles. Os caminhos a que a educação te leva são mais profundos nas aldeias, tenho mais contato com os jovens”, diz.

A escola de Pedra Branca atende a 200 alunos, pouco mais de 100 têm aula com Aratanha. Segundo ele, um dos desafios é trabalhar pensando na perspectiva do próprio indígena. “Há muitos jovens desconectados dos saberes tradicionais. O esforço é trazer isso para dentro da escola. E trazer também para os velhos”.

Outro desafio é adaptar o formato de ensino, ainda voltado para os centros urbanos, para a educação indígena. Ele defende mais capacitação e produção de material específico. “Para trabalhar com outras culturas é preciso ter outras perspectivas”, disse.