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Nome social pode evitar constrangimentos, dizem transexuais da UFRJ

A transexual Dorothy Lavigne, 36, é estudante de história da UFRJ  - Arquivo Pessoal
A transexual Dorothy Lavigne, 36, é estudante de história da UFRJ Imagem: Arquivo Pessoal

Maria Luisa de Melo

Do UOL, no Rio de Janeiro

23/03/2015 10h53Atualizada em 30/04/2015 13h48

“Ano passado um professor passou uma lista com os nomes civis de todos os alunos junto de suas respectivas fotos. Não tive como disfarçar, e meu nome ficou conhecido por todo mundo da sala. Foi vergonhoso. Já na semana passada, os alunos bolsistas conseguiram comer no restaurante universitário de graça. Só que eu tive que dizer meu nome de batismo para a funcionária me deixar entrar. Tudo isso gerou muita exposição, e me revoltou muito porque é uma falta de respeito com a minha identidade”.

O depoimento da transexual Dorothy Lavigne, 36 anos, estudante de história da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) traduz uma queixa antiga de vários universitários travestis, transexuais e transgêneros. Sem poder usar seus nomes sociais, se dizem expostos a situações vexatórias no ambiente universitário.

Uma medida adotada pela UFRJ, no entanto, visa permitir que estudantes transexuais possam usar os nomes pelos quais gostam de serem chamados nos diários de aulas, inscrição em disciplinas e até no histórico escolar.

Apesar de já anunciada, a medida ainda não começou a valer. Mesmo assim, tem sido comemorada nos corredores dos prédios da instituição de ensino superior.

“A questão do nome social é um grande avanço, mas por si só não assegura a inclusão social se não for acompanhada de outras políticas públicas”, diz Dorothy, que pretende fazer o pedido para adoção do nome social ainda este mês.

‘Fui obrigado a me esconder por anos’

Outro que também comemorou a possibilidade de ser chamado pelo seu nome social no ambiente universitário é Enzo Lucca, estudante do 2º período de letras. Ele faz, no entanto, algumas ressalvas à aplicação da portaria.

'Fui obrigado a me esconder por anos, porque não sabia o que estava acontecendo comigo', diz Enzo - Arquivo pessoal  - Arquivo pessoal
'Fui obrigado a me esconder por anos, porque não sabia o que estava acontecendo comigo', diz Enzo
Imagem: Arquivo pessoal
“A medida é um grande avanço, mas ainda não entrou em vigor e isso deixa um pouco a desejar. Ficamos super animados com a notícia, mas quem já está matriculado ainda usa o nome de registro. Ou seja, ainda não mudou nada”, avalia. “Sem dúvida a medida pode evitar muitos constrangimentos”.

Aos 20 anos, Enzo sonha com a possibilidade de se submeter a uma mastectomia (retirada completa dos seios). A intenção é ganhar ainda mais aparência masculina.

“Desde pequeno eu sentia que não me encaixava ao gênero que me foi designado ao nascer. Fui criado em uma cidade pequena, no interior de Minas Gerais, e isso me custou muito, pois não tinha quase nenhuma informação sobre isso. Fui obrigado a me esconder por anos, porque não sabia o que estava acontecendo comigo. Para evitar constrangimentos, geralmente eu converso com os professores antes das aulas, explicando tudo direitinho”, conta ele.

Implementação de forma gradual

Segundo nota divulgada pela UFRJ, a implementação dos nomes sociais no sistema da instituição ainda pode demorar. Será feita “de forma gradual”, no prazo máximo de um ano.

Responsável por elaborar o texto da portaria, a pesquisadora e aluna de história da arte Mariah Rafaela Silva conta que a aprovação da medida não foi tão fácil.

“Minha iniciativa veio quando vi que amigos transexuais tinham que usar na universidade o nome designado em seu nascimento. E isso é uma violação de Direitos Humanos intolerável.  A única maneira de permitir que eles usassem seus nomes sociais na universidade seria baixando uma normativa. Foi aí que eu escrevi e submetido ao Conselho de Graduação”, conta.

“Mas não foi fácil conseguir aprovação disso. Criaram-se obstáculos. Infelizmente, ainda existem as práticas de segregação e transfobia no ambiente universitário. Essa medida contribui para que as pessoas se sintam mais acolhidas na universidade”, diz.