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Quem é o bandido?

Eduardo Anizelli/Folhapress
Imagem: Eduardo Anizelli/Folhapress
Guilherme Perez Cabral

05/06/2017 04h00

Se eu fosse aquele cara que se humilha no sinal, por menos de um real,
minha chance era pouca,
Mas se eu fosse aquele moleque de touca,
Que engatilha e enfia o cano dentro da sua boca, de quebrada.
Sem roupa, você e sua mina,
Um, dois! Nem me viu! Já sumi na neblina!
Mas não... (Racionais MC’s)

Na imagem escolhida que circulou nos meios de comunicação, o rapaz com o rosto coberto, no meio do protesto, quebra a vidraça do Banco, picha e destrói. A imagem parece falar por si. É um vândalo, um vagabundo. É o problema.

Mas imagens não falam tudo por si mesmas. A verdade toda não está nelas. Nem na imagem do vândalo vagabundo com o rosto escondido, nem nas imagens do comercial do Banco depredado. Comercial lindo, com pessoas de “bem”, felizes, afetuosas e bem-sucedidas, ao som de “Love of my live”, de Freddie Mercury, ou “Change de World” de Eric Clapton.

Nenhuma imagem dispensa nossa reflexão, como alguns querem nos fazer crer.

Conta-se uma anedota de Sócrates em que o filósofo grego estava sentado, à toa, na frente de sua casa, quando passou um homem correndo e, o perseguindo, um grupo de soldados. Um deles grita: “pegue, é um ladrão”! Mas Sócrates não age assim. Apenas indaga: “O que é um ladrão?”.

O soldado não questiona: a solução está dada (o sujeito é um ladrão). E parte para a ação, sem precisar pensar. Já Sócrates, questiona e se questiona. Quer antes entender. Não age seguindo verdades dos outros.

Sem dúvida, não é legal sair tacando pedra na vidraça alheia. Não pode. Está errado. Até porque todos temos telhado de vidro.

Quanto ao Banco, vende a imagem de gente de bem, ao som de Eric Clapton e Freddie Mercury. Não é do tipo que cobre o rosto e sai por aí vandalizando em protesto de pobre. Age dentro da lei. Assim, atrai a turma cujos sonhos e necessidades – parte delas criadas por comerciais de Banco – não cabem no orçamento.

Acontece que as imagens com que se apresenta ao público não representam com exatidão o que acontece depois. O direito explica, mas para o cidadão fica difícil entender.

O dinheiro que o sujeito guarda no Banco (e “empresta” para que use como quiser) rende pouco ou nada. Já o dinheiro que pega emprestado do Banco e não consegue pagar vira uma dívida que nunca para de crescer. Os juros (o preço cobrado pelo empréstimo) chegam a 400% ao ano. Isso aí, a dívida quadruplica nesse período. Prometeram ajudar ao som de “Love of my life” e, agora, tiram do cidadão até o bagaço, para pagar a dívida que se tornou impagável.

O sujeito com o rosto coberto que quebrou o vidro do Banco pode ser só um vândalo vagabundo. Mas pode ser também um daqueles caras batalhadores que vemos aos montes por aí. Alguém que não teve herança nem ajuda de ninguém. Alguém que não vive do dinheiro nem do trabalho dos outros. Que nunca cobrou juros extorsivos de ninguém. Que ganha mal e tem filhos, esposa(o), sonhos e necessidades. Lutou para realizá-los, mas não conseguiu. Tampouco conseguiu pagar a dívida impagável.

Alguém de saco cheio de só se ferrar. Sua vida não tem final feliz como o de Will Smith em “À Procura de Felicidade”. E sabe, como Drummond, que, sozinho, não vai dinamitar a ilha de Manhattan. Estava no protesto e viu a pedra e a vidraça...

Ele, agora, é o bandido, vândalo e vagabundo. O problema a exigir uma solução final. Acreditem. Nesse show de imagens sem nenhuma reflexão, bandido é ele. Ele e moleques como o da letra dos Racionais.