Prova de fogo
Enquanto se discutia o percentual de emissão de gases tóxicos na atmosfera, por ocasião da Conferência do Clima em Paris, o clima andava quente por aqui. Pior, ele está ainda mais quente. Já passados mais de 45 dias, e sabe-se lá até quando, um dos locais mais encantadores do país pega fogo e poucos têm sido os recursos para o combate ao incêndio.
O Parque Nacional da Chapada Diamantina passa por mais um atentado. Sim, porque esta não é a primeira vez que a área é vítima do fogo. Foi intencional? Foi criminoso? Foi um acidente? Um raio caiu do céu e fez de um galho seco a sua tocha incendiária? Não sabemos. Provavelmente, nunca saberemos.
Vencido o fogo, as poucas equipes de socorro se dispersarão, as autoridades farão as contas do prejuízo e divulgarão os números, e o tempo passará. Esqueceremos tudo até o próximo incêndio.
Gosto de abandono
De um ano para outro, a cada novo incêndio, flora e fauna escasseiam. Nem todas as espécies se recuperam na mesma velocidade da devastação que não lhes dá trégua. Os habitantes locais ficam ainda mais pobres, dependentes que são de um ecoturismo que não avança.
Natal e Final do Ano terão gosto de abandono para os pequenos comerciantes, donos de pousadas, trilheiros. Muitas das reservas foram canceladas pelos turistas. Como se não bastasse o desalento, a vizinhança das áreas atingidas segue temerosa de que o fogo chegue a suas casas.
O ano de 2015 passará à história por uma série de fatos surpreendentes e graves, como o aumento dos danos ambientais. Somos um país de natureza privilegiada, com maravilhas que poderiam ser facilmente elencadas naquelas listas de as mais incríveis do mundo. Ao mesmo tempo, somos um país campeão de deficiências na defesa dessas maravilhas.
A cada desastre como o de Mariana, a cada incêndio florestal como o da Chapada Diamantina, a cada novo desmatamento da Floresta Amazônica, o que fica é a sensação de que, se algo já foi feito, foi pouco para o tanto que precisamos de proteção para a biodiversidade brasileira.
Precisamos de planejamento para evitar, prevenir e combater danos ambientais. Precisamos de ações que não emperrem em burocracias. O incêndio no Parque Nacional da Chapada Diamantina não só queima orquídeas e, ironia da natureza, aquelas belas flores silvestres, as sempre-vivas, como já afeta a água da região.
É na Chapada que nascem 90% dos rios que formam as bacias do Paraguaçu, do Jacuípe e do Rio de Contas, responsáveis pelo abastecimento de água potável a vários municípios da Bahia. Assim como os moradores na extensão do Rio Doce, vítimas da barragem rompida em Mariana, os baianos também podem ficar sem água.
Patrimônio histórico e natural
O Parque Nacional da Chapada Diamantina é emblemático de nosso patrimônio histórico e natural. Criado em 1985 por um decreto federal, o Parque se estende por uma área de 152 mil hectares entre serra e municípios da Bahia que guardam registros de nossa história colonial. Além da exuberância da Natureza, a região também foi centro da febre do garimpo e vivenciou períodos de prosperidade com a incessante busca por ouro e diamantes no chamado Ciclo do Minério, durante o século XVII.
Não importa se por causa de “El Niño”, do aquecimento global, de um fósforo irresponsável, ou de um raio perdido, o fato é que neste ano presenciamos um aumento de 66% nos focos de incêndio no país em relação ao ano passado. A devastação crescente não é motivo de orgulho para ninguém, mas um alerta para que o país desenvolva um programa de proteção ambiental adequado a essas “provas de fogo”.
Sob a ameaça de erupções vulcânicas e terremotos, países da América Latina nos dão mostras frequentes de como superam suas provas. Os exemplos dos vizinhos poderiam nos servir de estímulo para cuidarmos mais e melhor de nosso patrimônio histórico e natural, pois a continuar assim, em breve não teremos nem história para contar.
* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.
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