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Ética e ecologia - A ética kantiana e a co-responsabilidade de Hans Jonas

Josué Cândido da Silva, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

Atualmente os problemas ecológicos deixaram de ser assunto apenas de ambientalistas para entrar na esfera pública dos debates políticos dos organismos internacionais.

Medidas em relação ao aquecimento global e ao efeito estufa são cada vez mais urgentes, pois podem ter consequências graves, não só para as gerações futuras, mas para nós próprios em um curto período de tempo. Alguns pesquisadores mais pessimistas chegam a afirmar que o momento de agir já passou e pouco nos resta por fazer agora.

Por outro lado, a crise ecológica é também o sintoma de uma outra ainda mais profunda: a das instituições políticas e econômicas internacionais e da própria moral moderna que anima essas instituições.

Na era moderna, ocorre uma separação entre as diversas esferas da vida social. Antes, todas elas estavam presas a um fundamento moral-religioso que regia tanto os assuntos políticos e econômicos, quanto à vida privada dos indivíduos. Cobrar juros, por exemplo, era considerado um pecado. Algumas instituições civis como casamento, funeral, etc. eram regulados pela Igreja. Os reis deviam obediência ao papa.

Na sociedade moderna, com a separação entre Igreja e Estado, o direito, a política, a economia e várias outras esferas da vida se tornaram autônomas e com regras próprias. A vida religiosa tornou-se assunto privado, cabendo ao indivíduo escolher a crença que pretende seguir.


 

Ética kantiana

O filósofo Immanuel Kant (1724-1804) viu nessa nova conjuntura a oportunidade para formular uma nova ética baseada na liberdade e na autonomia do sujeito. Ele conclamava as pessoas a saírem da heteronomia (condição em que se é guiado por outros), que representava o poder das tradições e das crenças, para passar a exercer a autonomia (governo de si mesmo), guiando-se exclusivamente pela própria razão. O indivíduo deveria buscar em sua própria razão as regras do que é certo e justo e fundar nelas a sua conduta moral. Nas palavras de Kant: "Age de forma que a máxima de tua conduta possa ser sempre um princípio de Lei natural e universal".

Apesar de ter uma pretensão universalista, a ética kantiana é uma ética individualista, ou seja, o indivíduo deve agir em conformidade com as regras que ele próprio dita para si e que não precisam necessariamente estar em conformidade com as regras sociais.

Ao lado disso, temos também a moral da sociedade capitalista, que incentiva o individualismo e a competição entre as pessoas, mais do que a solidariedade e a cooperação. E se a moral capitalista não está em contradição direta com a ética de Kant, pelo menos constitui uma limitação para o seu exercício.



Responsabilidade

O resultado disso tudo é que a esfera da responsabilidade ficou igualmente restrita ao âmbito das intenções e ações individuais, que não vai além das minhas relações familiares e do meu círculo de amizades. No âmbito social, o indivíduo não tem mais o controle sobre os efeitos intencionais e colaterais de sua ação e isso é tão mais verdadeiro quanto mais complexa é a sociedade. Por exemplo, quando se vota em um candidato na esperança de que ele governe para o bem do povo e ele age em benefício próprio, de quem é a culpa? Do político, de seus eleitores ou de ambos?

O mesmo se dá em relação à crise ecológica. Os países julgam que não estão fazendo nada de errado em perseguirem metas de crescimento cada vez mais altas. Os cidadãos, por sua vez, não acham que estão fazendo nada de errado ao irem de carro para o trabalho ou em aumentar o seu padrão de consumo, produzindo mais lixo em um mês do que seus avós produziam em um ano inteiro. Ninguém tem culpa individualmente e todos são culpados. Como isso é possível?



Co-responsabilidade

Do ponto de vista filosófico, o problema tem origem no conceito restrito de responsabilidade da moral moderna que se refere apenas às ações do indivíduo, deixando de lado as ações sistêmicas (governos, mercados, empresas, etc.), cujas decisões afetam muito mais os rumos da sociedade e da vida no planeta.

Para superar tais limitações, o filósofo Hans Jonas (1903-1993) propõe o conceito de co-responsabilidade como mais apropriado para lidar com a nossa nova realidade. Para Jonas, somos responsáveis não só pela situação presente, mas também pelas gerações futuras, pois elas têm igual direito à vida. Isso implica que tomemos decisões coletivas que imponham limites à sociedade tecnológica que nós mesmos criamos.

Em uma linha semelhante, os filósofos Jürgen Habermas e Karl-Otto Apel propõem uma ética de base intersubjetiva, cujo princípio geral é que toda norma válida deve satisfazer a condição de que as consequências e efeitos colaterais que previsivelmente resultariam de sua aplicação devem ser aceitos por todos os afetados.

Tal norma exige uma profunda mudança na forma como nossas instituições estão organizadas atualmente. As decisões que afetam a vida no planeta não podem ser tomadas unilateralmente por uma empresa ou país. Se todos nós teremos que pagar pelos efeitos do aquecimento global é justo que tenhamos, pelo menos, o direito de deliberar sobre tais problemas enquanto "cidadãos do mundo".

De outra parte, não é preciso ficar esperando pela reforma de instituições como a ONU para agir. Cada um pode fazer a sua parte através de ações simples como economizar água; reciclar o lixo; dar carona ou usar transporte público. São medidas que não só melhoram o ambiente como também demonstram nosso grau de compromisso e co-responsabilidade na construção de uma nova ética planetária.

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