Uso de celulares na alfabetização de adultos melhora autoestima, afirma matemático
A equipe do matemático José Luiz Poli, 56, desenvolveu um software para apoiar a alfabetização de jovens e adultos através de smartphones. Um grupo de 240 pessoas que vivem em oito cidades do interior paulista já está usando programa.
Batizado de Palma (Programa de Alfabetização na Língua Materna), o projeto piloto afirma ter obtido resultados animadores ao adotar os aparelhos como instrumento complementar ao conteúdo dado nas aulas presenciais.
A ideia surgiu da experiência do professor em salas de aula, que via todos os alunos, mesmo analfabetos, utilizando o celular. O programa aumenta a autoestima dos estudantes e reduz a evasão, segundo seu criador.
Confira abaixo a entrevista com o matemático.
Como foi criar o projeto?
José Luis Poli: Quando percorri as salas de aula, antes de fazer o projeto, o que me surpreendia era ver que todo mundo tinha celular. Ficava pensando como é que essas pessoas que não sabem absolutamente nada da escrita conseguem usar um aparelho desses? Eles conseguem acionar o rádio, lembrar onde ligar, o que apertar... Como no teclado as letras estão abaixo dos números, desenvolvi uma aula combinando isso. Usamos um Nokia C3 e esse telefone tem um custo bem razoável, de até R$ 300.
O projeto surgiu de um ideal?
Poli: Nas aulas de alfabetização tradicionais, não tem nada, só o caderno e uns poucos livros distribuídos pelo governo. Em casa, ninguém ajuda esses estudantes. Eles abandonam o curso e voltam para a escola, mas se encontram no mesmo nível de conhecimento. Sempre quis ajudá-los.
Qual é a rotina dos alunos?
Poli: As aulas acontecem de segunda a sexta-feira nas escolas municipais, já que os municípios são responsáveis pela alfabetização de jovens e adultos. Diariamente, os alunos têm 40 minutos de atividades para serem feitas pelo smartphone. O tempo restante é de aula com um professor. A gente permite que os estudantes levem o aparelho para casa e façam as lições de casa. Se quiserem, podem fazer até ligações telefônicas, pois são pré-pagos.
Como são as aulas?
Poli: O smartphone tem uma tecnologia muito boa que combina sons, letras e símbolos. Para representar o abacate, por exemplo, os alunos ouvem o som e veem a figura da fruta e a letra. Depois participam de um exercício interativo e educativo, como um jogo, um caça-palavras ou um bingo, que serve para fixar o que aprenderam. Há muito vocabulário do dia a dia.
E o perfil dos estudantes?
Poli: A maioria são mulheres. Os homens têm muita vergonha de mostrar que não sabem ler e escrever. E são elas que vão ao supermercado e que levam as crianças à escola e não entendem muita coisa.
Os resultados foram positivos?
Poli: O objetivo desses estudantes é serem capazes de entender os preços e os produtos nos supermercados, ler as placas dos ônibus. Esse é o objetivo de todos. Mas quando começam a aprender, a escola ganha um valor maior para eles, que acabam não abandonam o curso. Você percebe que o celular fez uma diferença muito grande na vida dessas pessoas.
A princípio, eu queria melhorar a autoestima deles porque todos tinham uma estima muito baixa. Veja bem, nenhum está desempregado. São trabalhadores simples como serventes de pedreiros, faxineiras... Essa baixa autoestima faz com que abandonem a escola na primeira oportunidade que surge.
Mas quando você coloca um smartphone na mão deles, a autoestima melhora muito e a evasão se torna baixa. Nas minhas turmas, houve uma evasão de índice quase zero. Autoestima, aumento da frequência, queda da evasão e aprendizado significativo foram os resultados obtidos.
E os negativos, que tiveram de ser ajustados?
Poli: Alguns professores mais velhos tinham resistência a usar o celular ou achavam que perderiam seus empregos. Com os mais novinhos, que já têm smartphone, era bem diferente.
O senhor. bateu nas portas das prefeituras com seu projeto piloto debaixo do braço?
Poli: Sim, fui batendo na porta das prefeituras. Dizia: ‘Tenho um software pronto e quero testá-lo em duas a três aulas da sua cidade. Quero apenas autorização’. Fui bem recebido em todas as cidades porque tinha aberto muitos cursos universitários [ele foi co-fundador da Anhanguera Educacional]. Além disso, quando se fala em tecnologia, mais especificamente em smartphone, todo mundo quer. É uma coisa moderna, muito chique.
Conta com apoio privado?
Poli: A Vivo Telefônica apoia o projeto e o resto eu toco com minha equipe.
O fato de eles aprenderem a ler não significa que também saberão escrever....
Poli: Os alunos gostam de escrever o que eles recebem pelo celular, o que ele viu pelo aparelho. Então, apesar de não ser esse meu objetivo, criamos uma apostila para que pudessem acompanhar a escrita no papel. Eles sabem que precisam ler e escrever para preencher um formulário em um posto de saúde, por exemplo.
Depois de alfabetizados, eles mostram se querem dar continuidade aos estudos?
Poli: Nem todos querem continuar. Todos chefes de família, donas de casa, têm filhos. Permanecer na escola é um encargo muito grande. Mas esse não é o caso dos mais jovens. Eles querem terminar o ensino fundamental.
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