Jovem empresta casa, estuda sem luz e tira 980 na redação do Enem
Há mais de três anos, Matheus de Araújo, de 25 anos, estuda para conseguir uma vaga em medicina em uma universidade pública. Ele cursava enfermagem, mas decidiu mudar os planos e encarar um novo desafio. O motivo da mudança é oferecer uma assistência de saúde melhor para o irmão de 21 anos que sofre com as sequelas deixadas pela meningite.
Na última edição do Enem, o jovem tirou 980 na prova de redação, após estudar seis horas em uma residência sem energia elétrica. A nota de Matheus é um resultado de um esforço diário. No início da maratona de estudos, ele estudava na biblioteca municipal de Feira de Santana (BA), cidade onde mora. Mas por causa da pandemia, ficou sem local para estudar.
"Eu estudava desde 2015 nessa biblioteca. Quando fechou [por causa da pandemia], ficou muito ruim para estudar, porque em casa tem meus irmãos. Com o barulho, era quase impossível. Também tentei estudar na associação do bairro [Viveiros], mas também não consegui, porque fica próximo a um bar", conta Matheus em entrevista ao UOL.
Uma amiga dele foi quem ofereceu uma residência para estudar no primeiro semestre do ano passado quando começou a pandemia de covid-19. Mas o novo local de estudo não tinha energia elétrica. Apesar da falta de estrutura, o ambiente era o que proporcionava a concentração que Matheus precisava para os estudos.
"Ela falou que tinha uma casinha que eu poderia estudar. Como não tinha energia, eu baixava todo o conteúdo no celular e imprimia os materiais para estudar. Eu estudava todos os dias. De segunda a sexta-feira, estudava de 11h até as 17h e, nos fins de semana, simulava o período do Enem", afirma ele.
A vontade de estudar vem da necessidade que a família enfrenta para conseguir assistência médica ao irmão de 21 anos, que sofre com algumas sequelas deixadas pela meningite. Segundo Matheus, o irmão contraiu a doença quando tinha apenas dois meses. "Para conseguir as coisas para ele, é bem complicado por aqui [no sistema público de saúde de Feira de Santana]. É difícil conseguir uma consulta com neurologista, por exemplo. É uma luta", desabafa.
Para arcar com os custos do material de preparação para o Enem, o jovem de 25 anos dava aulas de reforço. Como havia deixado o estágio de enfermagem em uma clínica na cidade, ele teve que buscar uma nova renda para poder ter condições de estudar. Isso porque a mãe de Matheus é doméstica e o pai é pedreiro.
"Foi muito complicado achar um meio de subsistência. Eu dava reforço e estudava no contraturno. Com o dinheiro do reforço, conseguia pagar os cursinhos online e todo o material. Eu conseguia até ajudar em casa porque a renda de casa é formada pelos 'bicos' do meu pai e do auxílio que o meu irmão recebe. Mas com a pandemia, ficou difícil", afirma.
"Cheguei no meu limite", diz Matheus de Araújo
A pandemia trouxe novos desafios para Matheus na busca pela vaga no curso de medicina. Além de não ter um ambiente ideal para estudar, a circulação do vírus também o impediu de trabalhar. "O ano passado foi o ano que eu menos estudei. Dos três anos, foi o ano que menos estudei. Já estava no meu limite. Eu tenho 25 anos, estudando para vestibular. Não tenho nada. Eu falei até para Deus: 'esse é o meu último ano. Eu já cheguei no meu limite'", admite ele.
Mas o desempenho na prova surpreendeu até Matheus. "Eu esperava uma prova mais tranquila por causa da covid-19, mas o nível veio alto. Eu também tive medo de contrair o vírus. Eu nem esperava pela nota. Quando eu vi, nem acreditei", diz aliviado. De acordo com ele, a pontuação na prova pode proporcionar uma vaga no curso de medicina em uma universidade pública durante a seleção para o segundo semestre.
"Eu tenho a possibilidade de passar na metade do ano com base na nota de corte do ano passado, mas o Sisu [Sistema de Seleção Unificada] é incerto", explica.
Apesar de não saber ainda do resultado final, Matheus fez uma vaquinha virtual para arrecadar dinheiro para a compra de um notebook, uma impressora e também um leitor de livros digital. Na avaliação dele, são ferramentas essenciais para dar continuidade aos estudos.
"Eu estudo pelo celular, mas ele já não está aguentando. Preciso apagar várias coisas porque a memória dele é pequena. Eu vou precisar de um notebook, de uma impressora tanto na faculdade quanto para agora", frisa.
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