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Pais de alunos dão aula e furam greve de professores em escola de SP

Arquivo: Salao intermediario de estudos e atividades dirigidas para turmas do 3º, 4º e 5º ano no Amorim Lima - Ze Carlos Barretta/Folhapress
Arquivo: Salao intermediario de estudos e atividades dirigidas para turmas do 3º, 4º e 5º ano no Amorim Lima Imagem: Ze Carlos Barretta/Folhapress

Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

01/06/2021 04h00Atualizada em 10/06/2021 14h07

Uma escola municipal considerada modelo no bairro do Butantã, na zona oeste de São Paulo, vem sendo acusada de autorizar pais de alunos sem formação pedagógica a substituírem professores que estão em greve em razão da pandemia de covid-19.

Trata-se da Desembargador Amorim Lima, uma escola construtivista, vertente educacional associada ao educador suíço Jean Piaget. Na unidade, uma de suas principais características é a dispensa de provas, uma vez que os professores acompanham de perto a aprendizagem do aluno.

A greve na rede municipal, que já passa dos 100 dias, tenta convencer a Prefeitura de São Paulo a retomar as aulas presenciais apenas depois da imunização completa dos professores. Os educadores da Amorim também pedem que as aulas remotas sejam dadas da casa do professor, e não do prédio escolar, onde dizem que podem acabar infectados pelo novo coronavírus.

Contrariada com a paralisação, a direção autorizou que alguns pais de alunos e até ex-estudantes sem preparação formal para lecionar ou com vínculo empregatício com a prefeitura ocupassem o lugar dos professores grevistas no horário oficial das aulas remotas, o que a prefeitura nega (leia abaixo).

Ao UOL o pai de um aluno de 8 anos contou sob anonimato que tomou um susto ao ver uma pessoa conhecida dando aula para o filho no lugar de um professor. Essas aulas ocupam o horário formal de aulas na plataforma Google Classroom, utilizada exclusivamente para este fim.

Aluno do Amorim em aula virtual - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Aluno da Amorim em aula virtual
Imagem: Arquivo Pessoal

Pai de um aluno do terceiro ano do ensino fundamental, ele acompanhava o filho em uma aula remota quando se deparou com a mãe de outro estudante dando uma oficina de leitura e escrita.

O assunto entrou no radar no dia 5 de maio, quando algumas mães aproveitaram uma reunião com professores para falar sobre o assunto. O tema acabou levado para a reunião do conselho, no dia 12, quando participaram cerca de 80 pais, professores, estudantes e direção.

No conselho, diz o pai, todas as perguntas recebem reposta, mas naquele dia a presidente do conselho anotou as questões sobre os pais dando aula e disse que responderia no futuro.

Também sob anonimato, a mãe de uma garota de 11 anos conta como tudo começou. Ela diz que, em razão do perfil da escola, os pais da Amorim são muito engajados. Eles dão oficinais fora do horário oficial de aulas e participam ativamente das reuniões. Em um desses encontros virtuais, porém, alguns pais deram a sugestão de substituírem os professores grevistas.

Na ocasião, uma mãe disse que tinha ensino superior completo e poderia dar aula. Outra disse que poderia contar histórias e, assim, diz, criou-se a ideia de que não haveria problema em ocupar as aulas vagas.

Um dia ela surpreendeu uma mãe ministrando para a filha a aula "aprendendo sobre você", a respeito de estereótipos.

Arquivo: Alunos estudam no "Lab Maker" na escola municipal Amorim Lima - Ze Carlos Barretta/Folhapress - Ze Carlos Barretta/Folhapress
Arquivo: Alunos estudam no "Lab Maker" na escola municipal Amorim Lima
Imagem: Ze Carlos Barretta/Folhapress

Essa mãe levou o assunto à reunião de professores, quando se discutiu se os pais não estariam quebrando regras ao tratar a escola pública como uma "quitanda".

Na mesma reunião de conselho, diz, os pais que assumiram as aulas afirmaram se tratar de oficinas autorizadas pela gestão. Ela reclama, porém, que a direção não comunicou as famílias e que os pais ocupam o horário regular de aula.

Aluna estuda em casa durante greve no Amorim - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Aluna estuda em casa durante greve na Amorim
Imagem: Arquivo Pessoal

A mãe de um garoto do oitavo ano surpreendeu o filho em uma aula de português sendo dada por uma estudante do ensino médio. Em uma outra turma era uma mãe. Para o filho foi só uma aula, mas essa situação é "perigosa", diz.

Ela conta que sempre teve oficinas na Amorim, grupos de fora montando projeto extracurriculares, como capoeira, educação ambiental e teatro. Dar oficina no horário de aula e no lugar de professor em greve, porém, seria "substituição de mão de obra", diz ela ao questionar a ética tanto da escola quanto de quem substitui os professores.

Procurada, a Secretaria Municipal de Ensino foi sucinta na resposta. Admitiu em nota que as aulas ocorrem, mas negou que elas ocupem o horário da grade.

As oficinas livres são optativas e não têm qualquer caráter obrigatório e tampouco são ministradas a fim de substituir as aulas regulares. As oficinas são realizadas em comum acordo com os pais e com participação da comunidade escolar
Secretaria Municipal de Ensino

Em nota divulgada após a publicação da reportagem, a Amorim Lima nega que os pais estejam dando aula no lugar dos professores. O texto diz que os encontros são oficinas livres facultativas que "não substituem o trabalho e função de professores em greve".

Uma escola municipal construtivista

Inaugurada em 1956, a Amorim já teve outros nomes e endereços. O atual foi dado em 1969, mas foi em 2003 que as coisas mudaram.

Chamada para ajudar com ideias para reduzir a evasão escolar na unidade, a psicóloga Rosely Sayão apresentou um vídeo sobre a escola construtivista da Ponte, em Portugal. A ideia convenceu e, entre janeiro de 2004 e maio de 2005, a Secretaria de Educação implementou o projeto.

"Desde então, os alunos têm a oportunidade de aprenderem e serem formados em um projeto pedagógico bastante diferente do que se conhece nas escolas públicas tradicionais", diz o site da escola.

Arquivo:  Aula de música no espaco conhecido como deck na escola municipal Amorim Lima - Ze Carlos Barretta/Folhapress  - Ze Carlos Barretta/Folhapress
Arquivo: Aula de música no espaco conhecido como deck na escola municipal Amorim Lima
Imagem: Ze Carlos Barretta/Folhapress
Com a mudança, as paredes de algumas salas foram derrubadas. Nesses grandes salões ficam os estudantes do Ciclo 1 e do Ciclo 2. Os alunos sentam-se em mesas de quatro lugares para realizarem pesquisas em grupo e responderem, individualmente, o que chamam de "roteiros".

Não há aulas expositivas (a não ser para matemática, inglês e texto). Os professores, cerca de cinco ou seis, circulam pelo salão para ajudar os alunos com as dúvidas.

Às quintas-feiras, um grupo de 20 estudantes e seus pais se encontram com o professor responsável, o tutor, e avaliam o desempenho escolar, conta um professor em greve. Por isso a escola teria tanta ligação com as famílias.

Segundo o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) —criado para medir de zero a dez a qualidade do aprendizado nacional—, os alunos da 4ª e 5ª série da Amorim receberam nota de 6,4 em 2019, último ano avaliado.

Em São Paulo, a média das escolas municipais tradicionais ficou em 6,0 para as mesmas séries e foi de 4,8 para alunos da 8º e 9º ano. Para esses anos, o Ideb não avaliou a Amorim por quantidade "insuficiente de participantes na escola".

Apesar das críticas às aulas em substituição aos grevistas, todos os pais que conversaram com o UOL elogiaram o método de ensino da Amorim.

Eles elogiam a proposta de autonomia das crianças, o trabalho lúdico, o "incrível" espaço físico da Amorim e a qualidade dos professores.

A substituição dos grevistas, porém, vem causando tensão nas reuniões virtuais sempre lotadas.

Segundo um professor em greve, a paralisação busca denunciar um tema que afeta a escola e as famílias, mas que ao serem substituídos por pais sem licenciatura, os professores são deslegitimados e tratados como "descartáveis".