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Prometeus acorrentados

Guilherme Perez Cabral

15/05/2017 04h00

É fascinante a imperfeição, os vícios e a humanidade dos deuses na tragédia grega “Prometeu Acorrentado”, de Ésquilo. Deuses assim, como aparecem na peça, nos aliviam a consciência – e a culpa – de que, por mais que nos esforcemos, jamais seremos perfeitos, bons e justos como nossas atuais divindades perfeitas, boas e justas. Permitem-nos ser e nos aceitar como humanos, apenas, o que não significa descuidar da nossa educação e crescimento contínuos, corrigindo erros e defeitos.

Escrita no século 5 a.C., a história impressiona também por sua atualidade.

Prometeu é acorrentado às rochas, nos confins da terra, em região distante, deserta e inacessível, por ordem de Zeus, o novo senhor do Olimpo. O crime cometido foi a entrega do fogo aos humanos, dotando a humanidade da razão e da ciência. Na mitologia grega, antes disso, éramos estúpidos, agíamos ao acaso, sem raciocinar. Diz Prometeu: “Antes de mim, eles (os humanos) viam, mas viam mal; e ouviam, mas não compreendiam (...) viviam eles, séculos a fio, confundindo tudo”.

As divindades discordam entre si, disputam o poder, podem ser ingratas e suas leis e ordens injustas (para Prometeu, Zeus é um prepotente tirano). Tomam partido. Apaixonam-se e sentem ciúme. Podem também revelar compaixão. São como nós.

Quem acorrenta Prometeu ao rochedo é Hefesto. Acontece que sua empatia pelo condenado o faz lamentar o tempo todo a tarefa que cumpre. Abomina-a, porém, não pelo reconhecimento à ação justa de Prometeu e seu amor pela humanidade. Para os deuses, nós humanos somos efêmeros e desprezíveis.

O que tanto incomoda Hefesto é causar sofrimento a alguém que pertence ao seu grupo (ao seu “nós”), uma divindade como ele. Indagado por que demora a cumprir seu ofício, afirma: “É que... os laços de sangue, e os de amizade, são poderosos!”.

Tal como vemos hoje em dia, preocupar-se com a humanidade (toda ela), é algo inaceitável e subversivo. Afinal, o outro não importa tanto assim, se não for um dos nossos ou se não nos beneficia de algum modo.

Quanto aos irmãos de sangue, de amizade e de classe social, esses, sim, merecem nosso respeito, admiração e cuidado. Por isso, na justiça dos homens, Eikes são soltos e Adrianas vão para casa cuidar dos filhos. São brancos e ricos como seus julgadores.

Ao mesmo tempo, criminalizada a pobreza, o pobre é condenado. Rafaeis são presos. Julgamento justo é privilégio. Para os julgadores, pretensos senhores do Olimpo, “eles”, os pretos e pobres, que expiem. Valem tanto quanto a humanidade valia aos deuses gregos.

Permanecemos estúpidos, apesar da razão e da ciência. O cuidado de Prometeu não surtiu muito efeito. Abandonado o esforço de atingir a inatingível perfeição dos nossos deuses (bons e justos), bastam os vícios demasiadamente humanos dos da antiga mitologia grega.

Precisamos urgentemente melhorar como humanidade.