Tráfico de escravizados: mercadoria humana atravessa o Atlântico

A expansão marítima e comercial europeia, a partir do século 15, mudou drasticamente a história da humanidade ao unir três continentes: a Europa, a África e a América (poderíamos considerar a Ásia também, mas essa é uma outra história).
Em busca de enriquecimento, os europeus (os portugueses foram pioneiros) organizaram todo um aparato político, econômico e militar que lhes garantiu o controle sobre africanos e americanos. Dessa forma surgiu o que chamamos de sistema colonial, que durou do século 16 ao século 19.
Apesar de não podermos falar de uma colonização da África nesse período (com exceção de algumas ilhas), os portugueses fundaram diversos fortes e feitorias no litoral atlântico africano, e assim puderam negociar com os povos locais diversas mercadorias que eram levadas para a Europa, para a América e, também, para a Ásia.
Dentre todos os bens negociados com os povos africanos, o comércio de escravizados foi o que mais rendeu lucros para Portugal e também foi fundamental para a ocupação e exploração da América.
O tráfico escravista
Depois que alcançaram o litoral atlântico da África, ainda na primeira metade do século 15, rapidamente os portugueses conseguiram ter acesso ao comércio de seres humanos que já era praticado pelos africanos.
O trato (ou seja, a negociação) entre portugueses e africanos era feito através do escambo (troca). Os produtos oferecidos pelos portugueses interessavam aos africanos: tecidos, vinhos, cavalos, ferro (que era derretido e transformado em armas na África). Com essas mercadorias em mãos, os aliados dos portugueses conseguiam status social e, também, tinham mais condições de enfrentar povos inimigos e, assim, podiam obter mais escravizados para serem negociados com os portugueses.
Poucas foram as iniciativas dos portugueses em colonizar a África, já que saciavam seus interesses mercantis mantendo uma relação amigável com povos do litoral. As regiões que mais forneceram escravizados para o tráfico atlântico foram: o Cabo da Guiné, chamado pelos portugueses de Costa dos Escravos, e os Reinos do Congo e de Angola (nesse reino os portugueses conseguiram fundar fortes no interior, chamados de presídios).
As guerras entre os africanos para conseguir mais escravizados acabaram causando a diminuição da população do litoral, e a busca por escravizados passou a ser feita em regiões cada vez mais distantes.
No interior da África, os escravizados capturados eram obrigados a andar por quilômetros, às vezes, por dias seguidos, vigiados de perto por homens armados. Nessas caravanas o sofrimento era muito grande: obrigados a andar em fila, atados uns aos outros pelo limbambo (correntes, ou madeiras, ou ferros que uniam os escravizados pelo pescoço), com os pés sangrando, não recebiam alimentação suficiente e tinham que carregar pesos. Tudo isso para aumentar o cansaço e diminuir as chances de rebelião e de fuga. Muitos desses prisioneiros morriam na travessia.
Podia demorar meses esse processo de comercialização que ia do momento da captura dos escravizados, passando pela negociação de feira em feira no interior e a chegada aos portos de trato negreiro no oceano Atlântico, onde ficavam os navios estrangeiros.
Os portos de trato negreiro
Não só os portugueses fizeram fortunas negociando gente na África. Navios ingleses, franceses, holandeses e brasileiros atracavam nos portos africanos e esperavam pela sua carga humana.
Nesses portos os escravizados eram mantidos em barracões pelos comerciantes locais (tanto africanos quanto europeus que moravam na região), e ali esperavam pela negociação. Quanto mais rápidas as transações, melhor para o prisioneiro, já que as condições de higiene e alimentação nesses barracões eram as piores possíveis.
As inúmeras caravanas de escravizados chegavam de diversas regiões, carregando prisioneiros das mais diferentes etnias, que, devido aos maus tratos, sofriam com uma infinidade de doenças: varíola, disenteria, sarna. Todos presos num mesmo barracão, sofrendo o mesmo terror: para onde seriam levados? Muitos dos prisioneiros nunca tinham visto o mar, muito menos um europeu.
Também interessava aos traficantes de escravizados que a negociação fosse rápida. Os navios tinham que pagar para esperar no porto. Pagavam também pelo reabastecimento de água e alimento. Muitas vezes tinham que enviar presentes para os chefes locais, a fim de garantir proteção e exclusividade nos negócios. Além disso, a pirataria era comum no litoral da África.
Mas, às vezes, demorava mais de cinco meses para que todos os acordos fossem firmados e até mesmo para que os prisioneiros fossem embarcados, já que os comerciantes dos navios só aceitavam os escravizados em seus porões quando já tivessem o número total que desejavam, pois assim evitavam ter que cuidar dos seus cativos e porque temiam as rebeliões a bordo.
A travessia no Atlântico
Os navios que negociavam e transportavam escravizados eram chamados de navios negreiros ou navios tumbeiros, nome que é derivado de "tumba", devido à quantidade de escravizados que morriam em seus porões. Calcula-se que 20% dos escravizados africanos embarcados nos tumbeiros morriam durante a travessia pelo oceano Atlântico.
O tumbeiro poderia ser uma nau, um bergantim, uma corveta, dependendo do desenvolvimento tecnológico da época (o tráfico atlântico de escravizados durou quatro séculos e, durante esse tempo, as técnicas de navegação mudaram muito).
Em geral essas embarcações transportavam entre 400 e 500 escravizados, todos confinados num porão. Os negreiros (comerciantes de escravizados) compravam homens a mais do que sua embarcação comportava, pois sabiam que perderiam muitas das suas "mercadorias" durante a viagem.
Uma viagem entre Angola e Brasil durava 35 dias. E entre Moçambique e Brasil demorava em torno de três meses. Os alimentos e a água potável transportados por esses navios eram insuficientes até mesmo para a tripulação (trabalhadores do navio), pois não existia nenhuma forma de refrigeração.
Os escravizados, confinados na parte mais insalubre do navio, passavam por situações das mais terríveis. Não sabiam onde estavam, ficavam apertados num espaço no qual não podiam se levantar nem se deitar, recebiam pouca alimentação com baixo grau de nutrientes (basicamente: feijão, farinha de mandioca e carne seca). Mal recebiam água para beber. E, enquanto isso, pelas frestas da embarcação feita de madeira, a água do mar ia aos poucos invadindo o chão do porão.
Famintos, fracos e doentes, os escravizados não tinham mais nada em que acreditar. O desespero era tanto que alguns dos cativos aceitavam vigiar e punir seus companheiros de sofrimento em troca de um pouco mais de água. Os rebeldes eram, normalmente, envenenados. Os mortos eram atirados ao mar.
Nessa situação de tamanha infelicidade, pessoas que nunca tinham se visto antes, que nem sequer falavam a mesma língua, se ajudavam. Repartiam a pouca comida. Consolavam-se. Essa amizade, essa solidariedade que surgia nos tumbeiros era chamada de malungo, ou seja, amizade de travessia, que algumas vezes se perpetuava para a vida toda.
São comuns os relatos sobre a enorme felicidade dos escravizados ao aportarem no Brasil, o que era interpretado na época como se os africanos estivessem alegres por se libertarem da vida pagã africana ao chegar ao mundo cristão americano. Esse foi um dos argumentos mais eficientes para legitimar a comercialização de gente na época.