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Associação de reitores rebate MEC: mostrem verba mal usada em universidades

Reinaldo Centoducatte, presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) e reitor da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo) - Andifes/Divulgação
Reinaldo Centoducatte, presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) e reitor da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo) Imagem: Andifes/Divulgação

Vitor Pamplona

Colaboração para o UOL, em São Paulo

11/05/2019 04h00

Desde o anúncio do bloqueio de recursos para as universidades federais determinado pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL), sucessivas reuniões e longos telefonemas ocupam a maior parte da rotina do principal representante dos reitores das instituições de ensino.

Reinaldo Centoducatte, presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) e reitor da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), se queixa de uma rouquidão causada pelas horas de articulação em busca de apoio, mas adota tom de cautela e defende a abertura de diálogo com o Ministério da Educação.

A Andifes passou os últimos dias construindo um mapa dos cortes, universidade por universidade, a ser enviado aos reitores. A ideia é mostrar mais claramente os impactos, "para cada um se preparar", diz Centoducatte. O levantamento também será usado em uma reunião com o ministro da Educação, Abraham Weintraub, marcada para 16 de maio, em Brasília.

"Falta informação sobre a produção das universidades. E isso nós vamos tentar apresentar para ele", afirma Centoducatte. Leia os principais trechos da entrevista.

UOL - O MEC anunciou primeiro um bloqueio de 30% das verbas da UFF, UnB e UFBA, depois ampliou para todas as universidades e institutos federais. No entanto, algumas detectaram cortes na ordem de 40% a 50%. A Andifes recebeu confirmação do ministério sobre o tamanho dos cortes e se ultrapassam os 30% iniciais em algumas instituições?
Reinaldo Centoducatte -
O ministério não encaminhou nada à Andifes e também não encaminhou diretamente às universidades nenhum comunicado explicando. Apenas colocou no sistema os cortes. Há diferenças porque esses cortes podem impactar [as instituições] de várias formas. Quando o MEC fez o corte, fez em cima do custeio total. Os recursos da assistência estudantil, por exemplo, estão dentro do custeio total. Quando você retira a assistência estudantil, porque na assistência estudantil não tem corte, o corte passa a ser maior do que 30% no custeio de funcionamento das universidades. É isso o que tem ocorrido. Na maioria delas, o impacto no custeio referente ao funcionamento está sendo maior do que os 30%.

O que tem sido feito na tentativa de reverter a situação?
Estamos fazendo reuniões com vários setores, buscando apoio e, também, conversando com setores do Ministério da Educação. A reunião do dia 16 [com o ministro Weintraub] é uma delas, para que a gente possa chegar a um processo de negociação e mostrar que vai ser muito difícil as universidades fecharem esse ano fiscal com um corte dessa natureza. Conversamos no Congresso Nacional pedindo apoio e estamos conversando com outros setores para que apoiem as universidades. Manifestações também têm ocorrido, demonstrando a importância de as universidades não sofrerem um corte que pode ser até desestruturante para elas.

O sr. então não conversou com o ministro depois do anúncio do MEC?
Com o atual ministro, não. Conversamos com o secretário de Ensino Superior, o Arnaldo [Barbosa de Lima]. Mas não sabíamos desse corte ainda, não tinha sido divulgado. Apenas fizemos uma apresentação, nos colocamos à disposição do Ministério da Educação para discutir os programas, receber deles os projetos, as propostas e as metas que o MEC tem, e também para apresentar as nossas posições, nossas propostas. Só que isso ainda não foi feito. Tivemos apenas essa reunião, aí mais para frente aconteceu esse corte e agora estamos na espera dessa reunião com o ministro.

Nenhum canal de negociação com o governo foi aberto ainda?
No Ministério da Educação, estamos esperando a reunião com o ministro.

O ministro falou em "balbúrdia" nos campi e tem questionado a produção científica das universidades. Como o sr. vê a avaliação do novo MEC sobre o ensino superior?
Acho que está faltando informação. E isso nós vamos tentar apresentar para ele. Falta informação sobre a produção das universidades.

Veja bem, as três universidades que foram criticadas por baixa qualidade e fraco desempenho (UFF, UFBA e UnB) tinham melhorado sua avaliação durante os últimos anos. Mudaram inclusive de posição no ranking, no processo de avaliação do próprio governo federal, no Inep, nas avaliações que a Capes faz e avaliações de órgãos externos, que mostraram essas universidades melhorando de qualidade. E a justificativa para os cortes no orçamento foi que elas tinham perdido qualidade. Essa justificativa não tinha sustentação na realidade

Depois veio esse corte generalizado para todas as universidades, inclusive para os institutos federais. Temos que sentar e conversar. Qual o motivo agora do corte? Mas as falas [anteriores] já estão lá e as justificativas já estão sendo outras, diferentes daquela.

Bandeira "Direito UFF Antifascista" pendurada na fachada da faculdade de Direito da UFF em Niterói. A bandeira foi retirada por fiscais do TRE-RJ - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Uma bandeira com os dizeres "Direito UFF Antifascista" foi pendurada na fachada da faculdade de Direito da UFF em Niterói; posteriormente, a bandeira foi retirada por fiscais do TRE-RJ
Imagem: Reprodução/Facebook

O ministro argumentou no Senado que estava seguindo determinação da equipe econômica e citou a lei de responsabilidade fiscal. Ele mudou de versão?
Vamos ver, vamos conversar para ver. Quero crer que tenha uma sinalização de uma possível reavaliação. Precisamos que isso seja reavaliado e que as universidades não sofram o impacto do corte que foi feito.

Como o sr. vê a crítica ao ensino de humanas feita pelo ministro, de que "não dá retorno" ao país?
Claro que dá retorno ao país, isso é indubitável. O que é retorno para eles? A quantidade de pessoas que são formadas, de quadros colocados à serviço da sociedade, a produção de conhecimento, as relações no processo de desenvolvimento humano, isso está tudo associado, não é específico de uma área A, B ou C. Isso faz parte de um conjunto de informações que tem que ser dado à população brasileira para que ela encontre seus caminhos de desenvolvimento e ganhe sua autonomia do ponto de vista do conhecimento. Em qualquer lugar do mundo todas as áreas são reconhecidas como necessárias e fundamentais. O retorno se mede ao longo dos anos, do presente para o futuro.

O ministro Weintraub também citou permissividade com uso de drogas ilícitas e o impedimento de a polícia entrar nos campi. Como senhor vê a crítica do ministro de que que universidade deve ter autonomia, mas não é Estado soberano?
Eu não sei o que ele quis dizer. Falam muita coisa, coisas que não são verdade. Não sei quem dá essas informações.

Há pouco tempo nós tínhamos a informação de que as universidades públicas não produziam nada na produção científica. E as universidades públicas produzem mais de 95% da produção científica desse país.

As publicações em revistas indexadas internacionais vêm de onde? Vêm das universidades públicas, estaduais, federais e municipais. E todo mundo acreditando que as universidades não produzem nada, zero. Isso não é verdade. A mesma coisa falar que as universidades são antro de consumo de drogas. O consumo de drogas que talvez tenha na universidade é o mesmo que tem em qualquer local do país. Se tiver. E pode ter certeza que as universidades têm programas de combate, auxílio psicológico, de enfrentamento da situação, de educação, de atendimento, de se relacionar com a família quando ela percebe algum tipo de problema com os jovens. As universidades não ficam de braços cruzados em relação a isso. A gente não está omisso.

Essa coisa de que lá é um campo em que tudo pode não é verdade. Isso é uma ficção. Tem que chegar na universidade e conhecer. Ao longo do tempo, algumas já proibiram qualquer festa. Não existe mais. Na minha universidade (UFES), por exemplo, já está proibido há um certo tempo para evitar qualquer coisa desse tipo. Mas são jovens que estão lá dentro, eles têm os mesmos problemas que os demais jovens têm na sociedade brasileira. Isso é um negócio até complicado de comentar, porque as pessoas falam e ficam martelando, martelando, como se fosse verdade absoluta. Nem conhecem, acho que nunca entraram num campus universitário para falar um negócio desse.

Vista aérea do campus da Unicamp, em Campinas - Unicamp - Unicamp
Vista aérea do campus da Unicamp, em Campinas
Imagem: Unicamp

O sr. concorda que em alguma medida há verba mal aproveitada no ensino superior no Brasil [em entrevista, o ministro Weintraub afirmou: "A universidade deve estar com sobra de dinheiro para fazer bagunça e evento ridículo"]?
Eu quero que mostrem isso. Nós estamos falando que estamos com o orçamento já reduzido ao longo dos anos. Em 2013 e 2014 tivemos um valor orçamentário para custeio e para capital [investimentos]. O custeio permaneceu nominalmente o mesmo, então significa que tem uma perda de poder desses recursos pela corrosão inflacionária. O recurso de capital já é hoje em torno de 30% do que foi em 2013 e 2014. E as universidades continuam abrindo novos cursos, abrindo novas vagas, executando as suas pesquisas, publicando livros, formando estudantes. Onde é que está essa má utilização dos recursos?

As pessoas olham o orçamento de uma universidade de uma forma global, mas lá dentro você tem folha de pessoal ativo e folha de inativos, então todos os aposentados estão no orçamento das universidades. Além dos cursos de graduação, existem os programas de pós-graduação, laboratórios de ponta que realizam uma porção de pesquisas, teatros, museus, rádios, TVs, cinemas. É algo muito grande.

Tentam fazer contas e elas não se sustentam no resultado que as contas apresentam. Temos certeza de que os recursos são bem gastos dentro das universidades. Claro, sempre temos coisas a melhorar. Não vamos falar que estamos na perfeição das gestões. Mas as gestões são sérias, são preocupadas com a melhoria dos processos. As universidades têm seus programas de melhoria de gestão.

Faculdade de Odontologia de Araçatuba da Unesp - Divulgação - Divulgação
Faculdade de Odontologia de Araçatuba da Unesp
Imagem: Divulgação

As universidades não podem cortar mais despesas ou gastos de custeio?
Difícil, nesse momento, cortar despesa. Estamos com os orçamentos já no limite. Está congelado o custeio (comparando com anos anteriores) e o capital reduziu quase 70%. Como é então que se diz que há deficiência e falta de qualidade de gestão? As universidades continuam funcionando.

Em quanto tempo as universidades devem começar a sentir os efeitos da medida do governo?
Vai começar a sentir quando os prestadores de serviço não tiverem como receber pelos serviços prestados. Como eles vão se comportar? Vão querer realizar o serviço para depois não receber? Não sei, vai depender da reação de cada um deles. Vamos ter que sentir e pedir aos prestadores de serviço que deem tempo para que a gente negocie junto ao governo. Não posso falar que vai acabar isso, vai fechar isso. Não é essa a questão. Nós não queremos fechar nada, estamos na perspectiva de que vamos encontrar uma solução e isso vai ser revertido. Não posso trabalhar numa linha de que o fato já está consumado.

As universidades não são dos reitores, elas são patrimônio do Estado e da sociedade brasileira. Não podem sofrer um corte por uma questão conjuntural que coloque em risco todo esse patrimônio. Tem que ter um bom senso mínimo em relação a isso.

Os recursos bloqueados são discricionários, então os salários dos professores, por serem gastos obrigatórios, não são afetados. Mas e para os alunos, principalmente da pós-graduação, como os cortes os afetam na prática?
Vai ter um problema concreto. Como esses estudantes vão se manter sem as bolsas? Pós-graduação é dedicação exclusiva, eles não podem ter outro vínculo empregatício e precisam da bolsa para se sustentar. Sem a bolsa, como eles vão fazer? Algum tipo de sacrifício, pedir o trancamento da matrícula, vão se afastar? Não sei, não dá para a gente adivinhar. Estamos num cenário que gera incertezas em todo o quadro.

Estudantes e professores já começaram a realizar manifestações. O senhor vê chance de as instituições entrarem em greve como forma de protesto?
Não tenho como avaliar isso, vai depender de cada setor. Os docentes têm seu movimento, os técnicos têm o movimento deles, eles são autônomos e decidem pelos atos deles. Tem um certo tempo que a gente não está convivendo com greves dentro das universidades, estamos fazendo um trabalho para que continuem funcionando normalmente e prestem seus serviços à sociedade, retornando o que está sendo investido em nós. Não tenho como fazer considerações ou influenciar, cada setor tem suas organizações que são responsáveis pelos seus atos. Rumores existem, está anunciado para 15 de maio um dia de paralisação da educação.

Desde o início do governo Bolsonaro, o MEC tem sido apontado por políticos de oposição e analistas como instrumento de uma guerra ideológica, na qual escolas e universidades são acusadas de promover doutrinação de esquerda. Como o senhor avalia esse cenário?
A universidade tem um espectro amplo, tem de tudo dentro da universidade. Todas as matizes ideológicas, religiosas, vários credos. E todos são respeitados. Não existe esse negócio que tem discriminação. Pode ter individual, não institucional. Você não vai poder evitar que cicrano ou beltrano questione um tipo de posicionamento, são pessoas que vão responder pelos seus atos. Agora a instituição é a instituição. Zela pela pluralidade, pelo respeito, não só às crenças de cada um como também à liberdade de cátedra, de pesquisa. Não é uma instituição que faz enfrentamento político-ideológico. Isso não é verdade, não é verdade.

A instituição [universidade], enquanto instituição, tem que defender a democracia. E dentro do Estado de direito democrático temos que nos posicionar se a gente acha que atos não respeitam a democracia. Se grupos A, B ou C em determinado momento expressam posição político-ideológica, convive-se com isso. Essas questões (ideológicas), sinceramente, são mais uma forma de fazer um tipo de crítica para não entrar efetivamente naquilo que é necessário e fundamental, discutir os problemas que a gente está vivendo, essa crise que o país está vivendo e como vamos nos comportar diante dela, as soluções que vamos apresentar.